Jorge Nunes

A fronteira que separa famílias

Capa da revista Time sobre a separação de famílias na fronteira
Capa da revista Time sobre a separação de famílias na fronteira

O caso das famílias detidas na tentativa de cruzar a fronteira e levadas para postos de detenção diferentes para pais e filhos nos Estados Unidos dominou a semana. Imagens de centenas de crianças abrigadas em celas precárias e longe dos pais chocaram o mundo, tanto que fizeram o presidente Trump revogar com uma ordem executiva a própria medida de seu governo, implantada em grande parte pelos esforços do Attorney General, Jeff Sessions, e o conselheiro para assuntos imigratórios do governo, Stephen Miller, dois notórios linhas-duras com relação à política imigratória.

Chocante também foi a reação de alguns compatriotas imigrantes, que não só apoiaram como também creditaram a medida como cumprimento a uma suposta lei promulgada por presidentes anteriores.

Na verdade, não há nenhuma lei específica a respeito do problema, e muito menos alguma promulgada por presidentes anteriores. Presidentes não fazem leis, sua elaboração é prerrogativa do Congresso, e cabe aos presidentes somente aprová-las ou não. A única legislação que cita crianças estrangeiras é a lei genérica pública 107-296, de 2002, que estabelece o Department of Homeland Security (DHS), e que no seu inciso E define o termo “criança estrangeira desacompanhada que não possui guardião legal nos EUA” e uma provisão para o seu abrigo caso ela não possua tais guardiões. Não há nada na lei sobre separação de famílias. A decisão de separar famílias, portanto, foi uma vontade deliberada do governo através de seu departamento de Justiça.

Um outro argumento em defesa da medida foi, como tem sido de hábito nesses tempos de intolerância, colocar a culpa nas vítimas, no caso os “pais irresponsáveis” que submetem seus filhos a essa situação. Como se as famílias não se sujeitassem a esse sacrifício justamente porque sua situação original fosse muito pior do que a perspectiva que lhes espera na fronteira. Elas fogem da miséria e da violência desenfreada nos seus países nativos, da mesma forma que pais de crianças Sírias não hesitam em colocar os filhos em botes no Mediterrâneo para fugir dos horrores da guerra que despeja bombas sobre suas casas; elas agem da mesma forma que pais judeus entregavam seus filhos a estranhos para que eles escapassem dos campos de concentração nazistas, onde o horror lhes esperava.

O que é mais revoltante nessa falta genérica de empatia com o drama alheio é que ela vem de muita gente que passou pela mesma situação que as famílias detidas na fronteira. Incontáveis imigrantes brasileiros atravessaram a fronteira ilegalmente durante décadas, em fuga de sua pobreza no Brasil. Muitos deles — uns legalizados por métodos legítimos, e outros ilegítimos — posam hoje de cidadãos do bem e cumpridores da lei, e fecham hipocritamente os olhos para o seu próprio passado irregular.

Mais revoltante que uma decisão cruel de um governo é o apoio dado a ela por alguém a partir de uma decisão de caráter pessoal.

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