Cinema/TV Jorge Nunes

A história dos blocos de rua e seu papel libertário é o tema de “Quero Botar Meu Bloco na Rua”

A equipe de “Quero Botar Meu Bloco na Rua”, com os fundadores do Cordão da Bola Preta, Cacique de Ramos, Banda de Ipanema e Último Gole (Facebook/Adriana Dutra)

O documentário “Quero Botar Meu Bloco na Rua”, de Adriana Dutra, é um bálsamo de esperança para quem anda desencantado com o rumo sinistro que o Brasil vem tomando nos últimos tempos e está de mal com o país. No meio de tanto papo retrógrado, tantas divisões sociais e frustrações políticas, o filme de Adriana vem nos relembrar, como Chico Buarque e Francis Hime já nos lembraram numa época parecida com essa de agora, que há sempre um dia, afinal, que uma alegria fugaz, uma esfuziante epidemia chamada Carnaval chega para, como numa imensa catarse coletiva, expurgar toda caretice e preconceito das ruas e carimbar em nós uma identidade única como povo.

O filme, dedicado ao pai da cineasta, José Ruy Dutra, fundador da lendária Banda de Ipanema, pretende contar a história do carnaval de rua do Rio de Janeiro, dos entrudos e blocos de sujo às industriais escolas de samba e megablocos de hoje, mas acaba indo muito além de uma simples documentação histórica e vira um verdadeiro manifesto sobre o papel do Carnaval no processo de evolução social do país. Através da história da festa nas ruas cariocas, Adriana — com a ajuda do depoimento de estudiosos, historiadores, sociólogos e personagens fundamentais, como o próprio pai e os fundadores do Cacique de Ramos e do Cordão da Bola Preta, dois dos maiores e mais tradicionais blocos do Rio — mostra o papel libertário do Carnaval, contando como ele, várias vezes reprimido durante a nossa história, superou eventuais movimentos sociais mais retrógados com uma impetuosidade que ditadura ou doutrina alguma jamais conseguiu proibir ou reprimir.

A força do Carnaval como energia libertária brilha no filme, e essa força é nossa esperança de que, apesar do muito que tem sido feito ultimamente no sentido do retrocesso, do obscuro, há um movimento inexorável no sentido oposto, da evolução e da claridade, incapaz de ser contido, como um imenso bloco que desce a Vieira Souto sob o sol de fevereiro. Para provar esse movimento, o filme mostra a impressionante proliferação dos blocos no Rio de Janeiro nos anos recentes e a renovação trazida pelas novas gerações, que fez explodir o número de manifestações populares de rua na cidade. Hoje, a Banda de Ipanema, o Cacique de Ramos, o Cordão da Bola Preta e o mais novo Último Gole levam milhões para as ruas, onde as diferenças e os preconceitos somem debaixo de uma onda de marchinhas, samba e fantasias, arrebatando diferentes classes sociais, gente de todas as idades em toda parte da cidade, zona sul e subúrbio, favela e asfalto. Outros milhares de blocos menores, praticamente um em cada esquina da cidade, também arrastam multidões pelos quarteirões.

“Quero Botar Meu Bloco na Rua”, com seus personagens verdadeiros, seus cenários de botequim, imagens deslumbrantes do carnaval de rua e, sobretudo, seu debate a respeito do papel social da festa, resgata nosso amor pela cidade, refresca nossa brasilidade, nos lembra que ainda há um lado nosso de positividade que não somente vem sendo preservado no meio de tanta desilusão momentânea, mas que cresce, invade avenidas e bota seus blocos na rua com a força de milhões de foliões. Se o Brasil tem salvação, ela com certeza passa por um bloco de Carnaval, símbolo da livre ocupação popular das ruas, condição essencial para a democracia.

Além de cineasta, Adriana é fundadora e co-diretora da Inffinito Foundation, entidade que promove festivais de cinema brasileiro pelo mundo, sendo o mais tradicional deles o que está acontecendo esta semana em Miami. Nesse seu terceiro trabalho, ela resgata a esperança de muita gente que já estava desistindo do Brasil, dando como certo o fim da maior característica que nos faz brasileiros: a vontade de botar nosso bloco na rua, viver e deixar viver. Felizmente, essa vontade está vivíssima.

 

 

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