Colunas Jorge Nunes

Lei é lei

O Papai Noel foi visto saindo da chaminé de uma casa de subúrbio no interior do Alabama. Um vizinho desconfiou e chamou a polícia. Em minutos, oito viaturas fecharam a rua. As luzes giratórias coloridas ofuscaram a modesta decoração de Natal das casas e acordaram a vizinhança.

— Carteira de motorista e documento do veículo, por favor — pediu o policial que chegou primeiro, bem na hora que o bom velhinho já embarcava no seu trenó.

— Ho, ho, ho! Feliz Natal, feliz Natal, meu jovem!

— Feliz Natal. Carteira de motorista e documento do veículo, por favor. E prova de seguro também — repetiu impassível o policial, focando a luz forte da lanterna no rosto barbudo e rosado do Papai Noel.

— Ho, ho, ho! Mas, você não está vendo, meu filho? Sou eu, o Papai Noel, o Santa Claus! Estou levando presentes para as crianças comportadas de todo mundo, e esse é o meu trenó voador, puxado pelas maravilhosas renas encantadas do Pólo Norte: Rodolfo, Relâmpago, Dançarina, Emp…

O policial interrompeu a apresentação:

— Desculpe, mas preciso de uma identificação oficial, sua e do veículo. É a lei. Quanto às renas, vamos ver depois.

O Papai Noel arregalou os olhinhos por detrás dos óculos redondos:

— Ho, ho, ho! Mas todo mundo conhece o Papai Noel! Desculpe, meu jovem… Preciso ir, tem milhões de crianças esperando pelos meus presentes esta noite! — e apontou para o imenso saco vermelho no bagageiro do trenó, estufado de presentes.

— Sinto muito, mas sem carteira de motorista e documento do veículo não posso deixá-lo seguir. Saia do veículo, por favor. O que tem mesmo nesse saco?

Uma pequena multidão se formou na rua para acompanhar o caso, e a polícia fez uma barreira em volta da ocorrência para não atrapalhar a investigação. Confuso e surpreso, o Papai Noel respondeu:

— Presentes, ora essa! Todos os anos, na noite de Natal, o Papai Noel leva presentes para todas as crianças do mundo que se comportaram bem. Eles são feitos por mim e pelos meus anões ajudantes na minha fábrica do Pólo Norte! Ho, ho, ho! Você não sabe?

— Pólo Norte? O senhor está vindo de onde?

— De lá! E passei pelo Canadá antes de vir para cá! Feliz Natal!

— Canadá? OK. O senhor não tem carteira de motorista, documento do veículo, prova de seguro, carrega um saco com mercadoria importada e sem nota fiscal, é estrangeiro e foi visto saindo de forma suspeita da chaminé de uma casa nesta rua. Ponha as mãos para trás, por favor. É a lei.

— Ho, ho, ho? Como assim, meu filho? Estou atrasado, você vai estragar o Natal de milhões! O que você está fazendo? Não acredita em mim?

O policial algemou o Papai Noel.

— Acredito, mas lei é lei. O senhor tem o direito de permanecer calado. E vamos ter de chamar um reboque para levar esse trenó. É a lei.

O policial voltou-se para um garoto gordinho que acompanhava o caso:

— Foi ele que você viu sair da chaminé?

— Foi ele, sim senhor — respondeu o guri.

Um sargento se aproximou e cochichou no ouvido do policial:

— Se ele veio do Pólo Norte e cruzou a fronteira com o Canadá ilegalmente vamos ter de chamar o ICE. Agora é lei.

A polícia levou o Papai Noel preso. O trenó foi confiscado e depois vendido num leilão para um shopping center de Vegas. O saco com os presentes está num depósito da alfândega, aguardando fiscalizacão. As renas foram levadas para uma área de caça, no Kentucky. Terminaram abatidas pelos caçadores logo na primeira temporada, e hoje suas cabeças decoram uma parede no salão de festas da National Rifle Association. Papai Noel ficou detido na delegacia por quarenta e oito horas. Depois foi entregue aos agentes do ICE, acusado de imigração ilegal. Eles o levaram e o puseram num avião com destino ao Pólo Norte. O bom velhinho foi deportado e barrado de entrar nos Estados Unidos por dez anos, como punição por ter desobedecido a lei.

Lei é lei, é preciso fazer a América grande novamente.

 

 

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