Marcus Coltro

Orelhão

Quando eu era pequeno meus pais nunca me deram um celular, por isso sou revoltado hoje em dia… Naah, que nada! A partir de 1972 começaram a instalar os famosos orelhões tupiniquins em São Paulo e no Rio, criados pela arquiteta sino-brasileira Chu Ming Silveira. Quando chefiava o Departamento de Projetos da Companhia Telefônica Brasileira, Chu Ming assumiu o desafio de criar um protetor para telefones públicos que reunisse funcionalidade e beleza, que caísse no gosto dos brasileiros e se integrasse perfeitamente ao mobiliário urbano – e ela acertou em cheio, protegia do sol e da chuva, e ajudava na acústica nas chamadas.  Fez tanto sucesso que foi exportado para vários países da América Latina, África e mesmo para a China – terra pátria de Chu Ming (Marcus Coltro também é cultura).

À época telefone era artigo de luxo que poucos podiam ter em casa, chegava a custar quase o preço de um automóvel. Meus pais compraram uma linha em 1974, e como tinha um orelhão na frente da escola eu podia ligar da rua para minha mãe me buscar de carro. Para não gastar ficha telefônica todo dia, criei um “código”, eu ligava mais ou menos na hora da saída e minha mãe sabia que se tocasse três vezes e parasse, deveria sair de casa para me buscar.

No prédio onde passava as férias em Santos tinha um telefone na portaria, fechado com cadeado preso no disco, pois o zelador não ficava lá o tempo todo para controlar quem quisesse usar o aparelho. Criança aprende tudo que não presta bem rápido (e sem a ajuda da internet), logo me ensinaram que daria para ligar batendo no “gancho” uma vez para o número um, duas para o número dois e assim por diante, sem precisar remover o cadeado do disco – isso só funcionava na época com sistema de pulsos, hoje em dia não funciona porque é sistema de tom. Não que eu conhecesse muita gente para telefonar (e eu já era antissocial à época), mas eu queria testar, liguei para minha avó em São Paulo algumas vezes e funcionou! Eu só tinha que ficar atento para quando o zelador estivesse chegando, ele já estava ficando em forma de tanto correr atrás de mim e poderia me alcançar algum dia.

Conforme o tempo passou, o preço das linhas telefônicas despencou e nos anos 1990 todo mundo tinha uma linha fixa – eu tinha três no meu escritório, mais a do fax. Aí veio o celular, relutei um pouco para comprar um, mas cedi relativamente rápido e em 1997 comprei um tijolo da Nokia (era tijolo, mas a bateria durava uma semana!). NO começo estranhei o fato de poderem me encontrar a qualquer hora do dia – isso é, caso o celular pegasse.

Com o celular tomando cada vez mais o espaço do telefone fixo, acabamos diminuindo mais e mais seu uso e nos dias de hoje praticamente ninguém mais na minha família tem linha fixa em casa – ne meu escritório mantivemos uma linha fixa e outra ligada no aparelho de cartão de crédito.

À época que eu cancelei minha linha eu só estava recebendo ligações de telemarketing ou cobradores procurando gente que dava números aleatórios em formulários de carnês de lojas… “O senhor Claudemylson da Silva se encontra?”

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