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Californianos protestam contra racismo estrutural

Morte de George Floyd vem desencadeando dezenas de manifestações multiculturais no Estado em tempos de pandemia

Black Lives Matter faz manifestação em frente à residência do prefeito (Foto: Sterling Scott)
Black Lives Matter faz manifestação em frente à residência do prefeito (Foto: Sterling Scott)

Há mais de uma semana, o clamor por Justiça ecoa entre californianos, com múltiplos protestos eclodindo diariamente em diversas partes do Estado, principalmente em Los Angeles. Multidões entoam a frase que George Floyd disse antes de morrer pelas mãos de policiais em Mineápolis: “Não consigo respirar”. A revolta é pela truculência policial contra cidadãos negros e a impunidade que cerca esses episódios diários de racismo estrutural.

Nem o anúncio do indiciamento dos três outros policiais como cúmplices e o agravamento das acusações criminais contra o policial Derek Chauvin foram suficientes para dissipar as passeatas, que também exigem reformas nos departamentos de polícia locais e até corte de verbas públicas para a manutenção dos mesmos. Na região metropolitana de Los Angeles, as manifestações se concentraram nas regiões de Hollywood e do centro da cidade, mas ocorrreram também em San Fernando Valley e ao longo do litoral sul.

Protesto na Fairfax

A quase totalidade dos protestos tem sido pacífica, acompanhada de discursos às vezes exaltados e emocionados, alternando entre raiva, frustração e luto. No sábado por volta do meio-dia, os movimentos Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) e BLD PWR reuniram milhares de pessoas no Pan Pacific Park.

No início, a situação era pacífica e organizada, mas no meio da tarde manifestantes começaram a se espalhar por Beverly Hills, Melrose, e outras áreas ao redor. À medida que a multidão crescia, o trânsito de algumas vias começou a ser interrompido e a tensão com a polícia foi se agravando.

Na tentativa de conter a situação, a polícia criou barreiras, lançou bombas de gás lacrimogênio e disparou tiros de balas de borracha para dispersar a multidão. Algumas lojas foram vandalizadas e saqueadas. Pelo menos dois carros da polícia foram incendiados por uma minoria enfurecida, apesar dos apelos de manifestantes pacíficos em contrário.

Pan Pacific Park reuniu milhares contra a brutalidade policial e racismo (Foto: Sterling Scott)

Os confrontos continuaram noite adentro, apesar do toque de recolher decretado pelo prefeito, terminando com feridos, presos, lojas quebradas e roubadas, pichações, e carros incendiados. Desde então, foram cinco noites com proibição de sair às ruas depois de um certo horário. Ainda assim, no dia seguinte, casos de depredação e saques ocorreram de Santa Mônica a Long Beach.

O cenário de guerra fez lembrar a revolta de 1992, que explodiu em Los Angeles após a absolvição de quatro policiais por espancar Rodney King. Mas especialistas apontam características diferentes nas manifestações atuais. Elas são multiculturais e ocorrem em regiões nobres, como Fairfax e Beverly Hills – e não em redutos tipicamente relegados às populações negra e latina, como no passado. De acordo com organizadores do Black Lives Matter (BLM), a presença nessas áreas é proposital e faz parte de uma estratégia para dar visibilidade à dor e à revolta dessa porção da sociedade que é frequentemente vítima da brutalidade policial e do racismo sistêmico.

Em sete dias de protestos, mais de 3 mil pessoas foram detidas, quase todas por motivos não-violentos, como quebrar o toque de recolher e recusar a se dispersar. Para dar conta de fichar todo mundo, a policia utilizou um estádio de beisebol universitário, o Jackie Robinson Stadium. Somente cerca de 200 prisões estavam relacionadas a roubos e depredação. Aproximadamente 60 veículos da polícia foram danificados ao longo desse período, alguns deles queimados.

Em coletiva na segunda-feira, o chefe da polícia de Los Angeles, Michel Moore, provocou a ira de ativistas ao dizer que “não tinham ocorrido protestos na noite anterior, mas, sim, atos criminosos”. Completou que os saqueadores eram de alguma forma “tão responsáveis pela morte de Floyd quanto os policiais”. O clamor pela demissão dele rapidamente tomou as redes sociais e ele acabou pedindo desculpas mais tarde. O prefeito Eric Garcetti interveio, dizendo que Moore tinha “escolhido mal as palavras”.

Ajoelhados

Com o endurecimento do patrulhamento, desde a segunda-feira praticamente não houve mais ocorrências de roubos e saques. Protestos têm ocorrido de forma pacífica. No início da terça, um grupo organizado pela Conferência de Ministros Batistas do Sul da Califórnia e pela Conferência de Liderança Cristã do Sul reuniu centenas em frente à sede do Departamento de Polícia de Los Angeles, antes de se encaminhar para a Prefeitura.

Vários policiais se confraternizaram com manifestantes, dando apertos de mão, tirando fotos e posteriormente uma fila de fardados se ajoelhou com o grupo em sinal de solidariedade à causa. O prefeito Eric Garcetti também se juntou a eles e, após, convidou os líderes a se reunir em seu gabinete para ouvir as demandas.

Para quem não sabe, o ato de se ajoelhar apoiando somente um dos joelhos no chão (apelidado de “take a knee”) tornou-se símbolo da luta contra a brutalidade policial e o racismo quando diversos atletas – em especial o jogador de futebol americano Colin Kaepernick – passaram a fazer isso em 2016, sempre durante a execução do hino nacional antes dos jogos. Uma atitude simples, mas que provocou muita polêmica entre brancos conservadores, que consideraram o gesto uma “ofensa à pátria”.

Curiosamente, foi apoiando um só joelho sobre o pescoço do negro George Floyd por 9 minutos que o policial branco Derek Chauvin teria tirado sua vida, conforme apontam os laudos – ou seja, usando na vítima uma técnica que lembra o gesto-símbolo da luta dos negros contra a truculência policial e o racismo.

Ainda na tarde de terça-feira, uma grande manifestação-surpresa tomou conta do quarteirão em frente à residência do prefeito Eric Garcetti, em Hancock Park, exigindo justiça para os negros mortos por policiais e o corte de recursos públicos para o Departamento de Polícia. Manifestantes marcharam, ajoelharam, sentaram, discursaram usando megafones e dançaram. Não houve confrontos com a polícia. O evento foi organizado pelo BLM em conjunto com outras organizações, como o People’s City Council.

Na quarta-feira, cerca de 3 mil pessoas marcharam pacificamente pelas ruas de West Hollywood, pedindo justiça a George Floyd e apoiando o BLM. O evento foi organizado por membros da comunidade LGBTQ local. Aliás, a parada gay de Los Angeles, que havia sido cancelada devido ao coronavírus, realizará uma marcha na manhã do próximo dia 14 em resposta à “injustiça racial, racismo sistêmico e todas as formas de opressão”.

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