A professora pediu aos alunos que escrevessem uma pequena história para o Dia das Mães, onde, no fim, fosse colocada a frase “mãe, só tem uma”. Tifaneusa escreveu: “Eu estava brincando em casa, caí e machuquei o joelho. Minha mãe deixou de ir trabalhar e ficou cuidando de mim. Mãe, só tem uma.” Juvicleisson escreveu: “Eu estava muito ruim na escola e achei que ia repetir de ano. Minha mãe estudou comigo todos os dias, e passei de ano. Mãe, só tem uma.” Marquinhos (nome fictício, mudado por questão de copyright) escreveu: “Estávamos almoçando com a família, e o refrigerante estava acabando. Minha mãe me pediu para levantar e buscar duas Coca-Colas na geladeira. Eu fui e disse: Mãe, só tem uma!”. Piada do Pasquim, de mil novecentos e-eu-era-magro.
Minha mãe, a “dona” Marylena, nasceu em junho de 1936. Passou boa parte da infância durante a Segunda Guerra Mundial – no Brasil não tivemos muitos problemas diretos, mas, mesmo assim, houve racionamento. Ela ia para a fila do pão de madrugada, aos 8 anos de idade, ficava horas esperando sair o pão para levar para casa. Meus avós moravam em uma pensão, meu avô trabalhava na Singer e minha avó fazia tricô para vender fora, e minha mãe ajudava, recebia um tostão por carreira que tricotava (nem sei como fazer a conversão para os dias atuais).
Desde cedo aprendeu a economizar para comprar o que queria, e o faz até hoje (minha filha Bianca a puxou nisso). Ajudou minha avó a criar seu irmão e irmã, e se casou aos 23 anos com meu pai, que era bancário. Ela então parou de trabalhar oficialmente – mas continuou fazendo e vendendo tricô através do bazar de minha avó, casaquinhos, mantas e roupas de bebê que fazia em casa. Além de fazer tricô à mão, usava uma máquina de crochê em casa, que tinha um carro que corria sobre um trilho onde as agulhas puxavam a linha. Treco barulhento e trabalhoso. Engravidou sete vezes, mas perdeu quatro bebês, inclusive um casal de gêmeos, por pura incompetência do médico que não percebeu que eram duas crianças e induziu o parto antes da hora. Com tudo isso, nunca a ouvi dizer que “estava naqueles dias” para justificar qualquer coisa, como algumas fazem hoje em dia para explicar porque estão de mau humor…
Uma coisa que lembro bem é o fato de que ela era firme conosco, mas não precisava bater ou gritar – não crescemos em um ambiente muito estressante, exceto pelas surras que nosso pai nos dava de vez em quando. E minha mãe tinha (tem) uma técnica que considerávamos pior que apanhar: sermões, caso fizéssemos algo errado às vezes preferíamos apanhar de nosso pai que ouvir nossa mãe… E apesar de meu pai ter sido durão, ela o acomodava de acordo com suas necessidades. Comprou dois apartamentos e uma casa, juntando parte do dinheiro que meu pai dava para administrar a casa e o resto de seu trabalho no bazar de minha avó.
Aos 40 anos decidiu que precisava dirigir, já que meu pai – que era cego de um olho – não dirigia. Fez autoescola, e meu pai acabou fazendo também. Compraram um carro (uma VW Brasília, laranja) e, a partir de então, nos levou para cima e para baixo de carro, até parar de dirigir quando tinha quase 80 anos. Mas continua com uma vida bem ativa. Minha irmã Sabrina tem carro e mora com ela; as duas batem perna quase todos os dias.
Uma coisa que admiro em minha mãe é o planejamento que faz para o futuro e o ânimo que tem com pequenas coisas que a deixam feliz – seja a compra de uma máquina de café ou mesmo suas idas semanais ao cabeleireiro. Até 2024, ela passava seis meses com meu irmão Marcello em Miami (ela tem cidadania americana) e passeava bastante por lá. No começo desse mesmo ano, teve uma crise de herpes-zóster que afetou seu olho. Eu estava em Miami com ela e, pela primeira vez na vida, a vi chorar de dor. A levamos para o hospital, onde diagnosticaram e medicaram, mas foram muitos dias de sofrimento – graças a Deus, ela se recuperou, mas ficou com alguma sequela nos olhos e eventuais crises de coceira na têmpora. Nada disso tirou o ânimo que mencionei acima – ela continua igual. Se move com mais dificuldade, o que a fez decidir não fazer mais viagens internacionais, que são muito cansativas.
Mesmo tendo filhos espalhados pelo mundo (meu irmão José e eu na Itália, o Marcello em Miami), ela fala conosco literalmente todos os dias. Lembrei do caso do Gene Hackman, que só foi descoberto morto em casa muitos dias depois – acho que, se deixarmos de falar entre nós por um dia, um helicóptero da polícia vai sobrevoar nossa casa. Falando disso com minha mãe, e sobre como o pessoal de Hollywood e da imprensa fica elogiando os mortos, ela disse que o velório vira um festival de hipocrisia – dizendo que ele era bom, que o amavam, etc. Fico imaginando se falavam isso para ele enquanto estava vivo.
Nunca é tarde para mostrar seu amor e agradecimento para aqueles que estão à nossa volta, principalmente os pais, não adianta vir postar em rede social depois que se forem. Portanto, eu não apenas o digo, mas faço público: Mãe, eu te agradeço e te amo muito!