DA REDAÇÃO, COM MIAMI HERALD – Leonardo Morales estava levando seus filhos para a escola quando de repente foi abordado por agentes federais usando coletes à prova de bala, que o prenderam por causa de uma ordem de deportação.
“Eles disseram que queriam falar com ele, e tentaram levá-lo para trás de um carro para algemá-lo sem que a gente visse. Foi horrível”, disse a filha Valeria, 16 anos, ao jornal Miami Herald.
Desde então seu pai permanece preso no Centro de Detenções do Krome, perto de Miami.
O episódio é a concretização de um pesadelo que aterroriza muitos das 11 milhões de pessoas vivendo irregularmente nos Estados Unidos – especialmente depois da eleição de Donald Trump, que prometeu deportações em massa de imigrantes que ele qualificou como criminosos numa entrevista à TV no domingo passado.
Onze anos atrás, diz a reportagem do Herald, Morales, a mulher e dois filhos fugiram da guerrilha e da guerra do tráfico na Colômbia, onde moravam numa cidade chamada Palmira, considerada a ‘capital da violência’ pela imprensa local.
Chegaram aos EUA com um visto de turista, pediram asilo e se estabeleceram numa vizinhança calma de Kendall. Uma busca pelos registros públicos mostra que Morales, que trabalha na construção, não possui histórico criminal na Flórida. Valeria e seu irmão Juan – ainda crianças pequenas quando chegaram – falam um inglês perfeito e fluente, e não se sentem confortáveis no espanhol.
Miami é a casa deles. E não conseguem imaginar a vida sem o pai ao seu lado.
“Somos quatro pessoas na família”, disse Juan ao Herald. “Não queremos perder o nosso pai”.
“Meu marido é um homem sem histórico criminal, que contribuiu bastante para a comunidade”, diz Yaneth Mejías, mulher de Leonardo. “Não fizemos mal a ninguém”.
Um agente federal com acesso ao caso confirmou ao Herald que Leonardo não tem histórico criminal nos Estados Unidos.
Segundo Yaneth, a prisão foi por causa de um erro no preenchimento de pedido de asilo, feito por um homem que se dizia advogado. Assim como muitos pedidos dos que vêm da América do Sul, o de Leonardo foi negado.
“Infelizmente, chegamos neste país sem conhecer ninguém e caímos nas mãos daqueles que não fazem seu trabalho com carinho”, disse Yaneth ao Herald.
O homem em questão, Fredy Barragan, é um ex-agente da imigração que em 2002 foi condenado a 10 meses de prisão por aceitar dinheiro de pessoas que buscavam entrar nos Estados Unidos, diz o Herald. Barragan dirige tem seu próprio escritório, chamado de FK Immigration Services. Ele disse à reportagem do jornal de Miami que deixa claro em seus anúncios que ele não é um advogado.
Barragan diz não se lembrar do caso dos Morales. “De jeito nenhum eu disse a eles que era um advogado. Tive muitos problemas com isso. Em toda a papelada que entrego aos clientes está escrito em letras grandes que não sou advogado”.
(O website da FK de fato declara ‘NÃO somos advogados’)
“Se eu fiz algo errado na papelada e disse a eles que era advogado, eles não deveriam ser deportados”, Barrgan disse ao Herald. “Deveriam dar-lhes a chance de ficarem aqui até que eu possa verificar o caso”.
Comparada com outras regiões, poucas pessoas vindas da América do Sul conseguem asilo.
Durante o ano fiscal de 2014, sul-americanos (incluindo brasileiros) somaram apenas 4% das quase 24 mil pessoas que conseguiram asilo, segundo estatísticas do departamento de Homeland Security. Mais da metade vieram de apenas quatro países: China, Egito, Síria e Etiópia.
O pedido de asilo para Leonardo foi negado em dezembro de 2010. Um juiz ordenou a deportação, a pena mais comum para um processo de asilo negado. Ele apelou, mas o Board of Immigration Appeals, em Washigton, D.C., não aceitou o apelo e confirmou a deportação no ano seguinte.
Muitos imigrantes irregulares que jamais cometeram crime algum são deportados.
Durante o ano fiscal de 2015, os EUA deportaram mais de 96 mil imigrantes irregulares sem qualquer registro criminal, mais ou menos 260 por dia, de acordo com números do governo. Um pouco menos que anos anteriores, depois que o governo Obama começou a priorizar a detenção de imigrantes irregulares com histórico criminal. No mesmo período, foram deportados quase 140 mil imigrantes condenados por algum crime.
Durante os seus dois mandatos, Obama deportou mais de 2,5 milhões de pessoas, mais que qualquer outro presidente americano.
Morar nos EUA em violação às leis imigratórias não é considerado crime, segundo as leis federais, a não ser que o imigrantes tenha sido deportado ou removido anteriormente.
Assim como a família Morales, quase a metade dos imigrantes indocumentados entram legalemente no país com vistos de turismo e negócios, e permanecem aqui depois que os vistos expiram, segundo informações do Pew Hispanic Center.
‘Vivemos com medo’
O caso dos Morales é um exemplo de como as famílias irregulares vivem em constante medo da separação. Juan e a mãe podem ser detidos a qualquer momento.
“Olho toda vez que saio de casa”, disse o rapaz ao Herald. “Não me sinto seguro. Não sei mais em quem confiar. Não sei o que vai acontecer”.
Somente um membro da família está seguro. Por enquanto.
Valeria foi beneficiada pela Deferred Action for Childhood Arrivals (DACA), uma ordem executiva assinada por Obama em 2012 que concede autorizações de trabalho para imigrantes irregulares que chegaram nos EUA antes de completarem 16 anos e que se encaixam em outras exigências, como estar matriculado na escola, serviço militar e sem histórico criminal.
Na tarde de sábado (12), a família e mais 40 pessoas fizeram uma vigília em frente ao Krome. Eles carregavam cartazes pedindo liberdade para o pai, e outros rogando pela suspensão das deportações.
A eleição de Trump apavorou os imigrantes irregulares – ou indocumentados, como são chamados em geral pela imprensa. No domingo (13), o presidente eleito deu uma entrevista ao programa “60 Minutes”, da CBS, e disse que vai deportar até 3 milhões de pessoas supostamente engajadas com atividades criminais. Anunciou também que pode acabar com a DACA.
“As pessoas estão apavoradas com as promessas dele”, disse Claudia Saucedo ao Herald. Claudia é membro do grupo ativista ‘Dreamers’ Moms’, que ajudou a organizar a vigília e defende a aprovação no Congresso de uma le chamada DREAM Act, que abriria um caminho para a cidadania aos irregulares. “Queremos acreditar que ele, como homem de negócios, pensará no quanto os imigrantes contribuem para este país. Viemos para cá por uma vida melhor, por segurança, e não para causar problemas”.