Colunas Jorge Nunes

A bicicleta automática

Naquele tempo, no milênio passado, o Feijão com Arroz não era do tamanho que é hoje. Tinha só uma porta da rua para o salão, onde ficava o balcão de um lado e quatro ou cinco mesas do outro, encostadas na parede. Servia refeições a la carte, e a picanha na chapa era a estrela do cardápio. Chegava fumegante na mesa do cliente, trazida por serelepes garçonetes, depois de atravessar uma janelinha que dava para a cozinha, na parte de trás.

Era o que mais lembrava um legítimo botequim brasileiro na cidade de Pompano Beach, há mais de vinte anos. Desde a hora que abria até fechar, lá pelas duas da manhã, o bar ia-se enchendo gradativamente com quem estava de folga, desempregado ou aposentado, a maioria bebendo pitchers de Budweiser ou long necks de Corona, entabulados nas conversas de botequim mais fiadas deste lado do equador. Eu era um deles, por uma razão ou outra. Menos a última, é claro. Ainda faltava muito para eu me aposentar. Ainda falta, aliás.

Certa tarde a porta se abriu e entrou meu amigo Moisés. Apertou minha mão, sentou-se numa banqueta ao lado, acendeu um cigarro (naquele tempo ainda não era proibido fumar em ambientes fechados) e calmamente pediu uma Corona. Depois de alguns minutos de papo furado, Moisés começou a me falar sobre seu projeto revolucionário, o sistema de transmissão automática para bicicletas. Empolgado, disse que uma das maiores fábricas do Japão estaria interessada, mas ele tinha medo de mostrar os detalhes assim, de mão beijada, porque não tinha dinheiro para fazer a patente e os japoneses poderiam roubá-lo. Ficamos trocando ideias sobre como arranjar um investidor que bancasse a patente da bicicleta automática, e chegamos à conclusão de que ali no Feijão com Arroz isso não seria lá muito fácil.

Depois de esvaziada a primeira Corona, Moisés passou a explicar, meio em segredo, que seu sistema de transmissão automática também poderia ser usado em todo tipo de máquina, inclusive em eixos de geradores de energia, multiplicando por mais de mil sua potência.

– Tenho tudo aqui na cabeça, isso vai revolucionar o mundo – dizia.

Fiquei curioso e dei corda.

– Como é isso, Moisés? Se for o caso, você vai ficar famoso e bilionário!

– Não é só. Tenho outros projetos que vão resolver todos os problemas do mundo.

– Todos?

– Todos.

– Como assim?

Abriu a boca para falar, mas foi interrompido pelo grito de um segundo amigo que entrou correndo.

– Moisés, seu carro está pegando fogo no estacionamento!

Perplexidade geral no botequim. O inventor não se abalou e nem se mexeu da banqueta, só deu um longo gole na cerveja.

– Eu sei. E que que eu vou fazer? Já chamei os bombeiros. É melhor tomar uma cerveja do que ficar lá no calor. O carro já estava mesmo muito velho – disse um impassível Moisés.

Depois disso o assunto do fogo no carro e a conseguinte ação dos bombeiros dominou o botequim, e não se falou mais na bicicleta automática e nas soluções para todos os problemas do mundo. Mais tarde partimos, Moisés e eu, cada um para o seu lado, e nunca mais o vi.

Fiquei sem saber se ele conseguiu por em prática o misterioso e revolucionário sistema que resolveria todos os problemas do mundo. Mas, a julgar pelo estado de coisas hoje em dia, acho que não.

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