Imigração Notícias

Cara a cara com um oficial da imigração

Brasileiro trabalhou 12 anos como agente de imigração nos Estados Unidos

Ricardo de Brito trabalhou doze anos no serviço de imigração americano

Ana Paula Franco

O AcheiUSA conversou com o brasileiro Ricardo de Brito, um carioca da gema que trabalhou doze anos no USCIS, o temido e respeitado órgão de imigração dos Estados Unidos. Ricardo trabalhou na agência até agosto deste ano. Na entrevista, ele conta um pouco de como era sua rotina de trabalho, os principais erros que as pessoas cometem ao submeter uma aplicação e casos curiosos que presenciou durante o tempo que trabalhou na imigração. Brito confirmou que sim, eles sabem quando você está mentindo a partir da sua linguagem corporal. Ele foi responsável, ainda, por aprovar o green card para um búlgaro casado com um americano na Flórida, onde o casamento gay ainda não era legal.

AcheiUSA – Você trabalhou doze anos como agente da imigração nos Estados Unidos. Como foi essa experiência?
Ricardo de Brito – Essa experiência foi fantástica. Ser oficial de Imigração nos Estados Unidos foi maravilhoso. Após ter passado pelo Departamento de Polícia na Virginia e trabalhado com o Department of Children and Family (DCF), no setor de pedofilia na Flórida, a imigração foi tipo “paixão à primeira vista”. Talvez por ter sido imigrante um dia isso me fascinou de uma forma que fui me apaixonando cada vez mais. Tenho na memória lembranças boas e más, pois quando eu tinha que negar um caso eu também sofria junto. É muito triste você saber que está mudando o destino de uma pessoa ou de uma família, mas lei é lei e eu tinha que segui-la.  Sou muito emotivo, mas no total tenho ótimas experiências, todas elas me ajudaram a ser cada dia melhor.

AcheiUSA – Qual a parte mais interessante dessa profissão?
RDB – Talvez a característica mais interessante em algumas atividades desenvolvidas pelo Oficial de Imigração seja justamente a ausência de uma rotina específica. Dependendo da área em que o oficial se especialize, a adaptabilidade e a versatilidade são características fundamentais. Algumas vezes costumávamos dizer que a nossa rotina é “não ter rotina”. É uma profissão estressante, claro, sem dúvidas. Mas foi uma experiência inesquecível.

AcheiUSA – Você citou o caso do green card para um matrimônio homoafetivo aqui na Flórida. Esse foi o caso mais emblemático da sua carreira?
RDB – Sim, definitivamente eu achei que o país estava pronto. Eu aprovei este caso no dia 28 junho de 2013. Foi um momento histórico para toda nação, visto que em 26 de junho daquele ano a decisão da Suprema Corte abriu caminho para esse momento excepcional. Após a decisão, o Departamento de Justiça, a secretária do Department of Homeland Security, Janet Napolitano, e o porta-voz da Casa Branca, Josh Earnest, afirmaram que a decisão do Supremo reflete a política do próprio presidente Barack Obama. Agora, casais binacionais e suas famílias podem ser unidos sob a lei.
Eu quebrei barreiras da hipocrisia, levantei o carimbo e aprovei o beneficiário. Sem medo de ser recriminado, pois eu sabia que estava tomando a decisão correta. Foi como um filme, ver tudo aquilo em jornais e rádios do mundo inteiro falando sobre o primeiro caso de “same-sex marriage”. Eu não acreditei quando me vi parte da “USA history”.
Principalmente por saber que eu, um brasileiro imigrante, marcaria a história americana. Na época, como oficial federal, eu via tudo aquilo e não podia dizer: “Fui eu quem aprovou vocês”, pois temos critérios a seguir e normas a serem respeitadas. O caso se tornou público em julho de 2013.
Tempos depois, quando já havia saído do Department of Homeland Security, me deparei com o Traian, que por sinal estuda na mesma Universidade que eu, a Nova Southeastern University, na Flórida. Isto para mim foi um momento mágico. Hoje em dia somos amigos.

AcheiUSA – Na sua opinião, quais os erros mais comuns as pessoas cometem ao enviar documentos à imigração?
RDB – O problema está quando o aplicante tenta fazer tudo sozinho. Enviar os documentos muitas vezes não é suficiente. A aplicação deve ser feita por profissionais da área que saibam o que estão fazendo. Muitas vezes o requerente tem que voltar porque faltou um documento, porque deixou de preencher algo, e tudo isso atrasa o processo. Isso dificulta a vida do requerente. Como oficial, eu sempre orientei os requerentes a procurarem uma representação legal e ao mesmo tempo prestarem atenção na reputação do advogado que eles estão contratando.

AcheiUSA – Existe de fato algum treinamento que os agentes de imigração passam para identificar quem está mentindo?
RDB – Sim, vários. Em princípio, estudei na FLETC (Federal Law Enforcement Training Center), em Glynco, Georgia. Fiz um curso de formação de oficiais, depois atendi vários outros cursos em diferentes estados, inclusive no Texas, que para mim foi um dos melhores.
Não só somos treinados para identificar quem está mentindo, mas também para identificar gestos. Por exemplo, olhar para o lado esquerdo. Para pessoas destras, o lado esquerdo é o da criação. Portanto, quando uma pessoa é indagada e move os olhos para a esquerda, pode estar com a intenção de criar uma resposta, ou seja, uma mentira, mas também para identificar documentos falsos. Infelizmente, muitas pessoas tentam de tudo para obter um green card neste país e muitas vezes opta pelo crime, ou seja, falsificar documentos, casamentos fraudulentos etc. Muito triste tudo isso, mas é a pura realidade.

AcheiUSA – Agora que está aposentado, você tem auxiliado as pessoas que querem fazer aplicações para a imigração. Fale um pouco sobre isso.
RDB – Sim. Eu me aposentei da imigração em agosto deste ano. Após me aposentar, eu e minha esposa abrimos uma companhia de “Referral Service”, uma Immigration Express Lawyer Refferal Service. Sempre foi um sonho para mim e para minha esposa Ana Gomes poder ajudar a comunidade latina. Agora, estou me preparando para me tornar advogado, que será em breve, se Deus quiser. Meu bachalerado em Pre-Law (Barry University) e mestrado em Employment Law (Nova Southeastern University) não são suficientes para o que eu quero, pois o meu objetivo é ir mais adiante, pois amo tudo que se diz respeito à imigração.
Estamos trabalhando com advogados daqui da Flórida e do norte também. Nessa década como agente federal pude me identificar com alguns advogados e admirar esta profissão cada vez mais.

AcheiUSA – Existe de fato algum critério para a concessão de vistos para brasileiros? O que é levado em conta para aprovação e/ou negação do visto?
RDB – Atualmente, cerca de 96% dos pedidos de brasileiros são atendidos. Não existe de fato um critério para concessão de vistos específico ao brasileiro, mas sim passos e critérios definidos pelo governo, por exemplo:
O primeiro passo é preencher corretamente o Formulário DS-160, responder todas as perguntas corretamente; fazer o pagamento on-line (agora com o novo sistema desde 2012, a taxa é única, não há mais cobrança separada para agendamento ou envio do passaporte; agendar a entrevista, comparecer ao Centro de Atendimento ao Solicitante de Visto (CASV); comparecer à entrevista e, por último, receber o visto.
Graça à implantação do novo método, o propósito de agilizar o processo de solicitação de visto foi alcançado. Alguns documentos são mais importantes no momento da entrevista, como imposto de renda, extratos bancários, contracheques, declaração de faculdade, certidão de casamento e outros documentos que possam demonstrar que você não tem interesse de migrar para os Estados Unidos.

AcheiUSA – Conte para os leitores algum caso curioso que você pode mencionar enquanto funcionário da imigração.
RDB – Não poderia nem estar falando isso, mas como não vou citar nome do requerente, nacionalidade ou número de processo, vou falar de um modo em geral. Esse foi sem dúvida o melhor. Uma mulher jovem chegou para fazer as digitais apresentando informações como se ela fosse a requerente. Ao comparar as informações apresentadas pela suposta beneficiária, elas não conferiam com os dados do Departamento de Segurança Interna. Questionada sobre os documentos apresentados, a requerente admitiu que ela estava ali para fazer as digitais de uma irmã que já tinha passagem pela policia. Por fim, as duas saíram prejudicadas e respondem processo por isso.
Enfim, a mensagem que eu gostaria de transmitir a todos os imigrantes é que nunca desistam de seus sonhos.

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