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Cidade mineira sofre com êxodo de moradores para os Estados Unidos

População da pequena Alpercata, perto de Governador Valadares, migra em massa para os EUA e já faltam até padeiros na cidade

Alpercata, no sudeste mineiro, pode virar uma cidade-fantasma (REUTERS/Washington Alves)

Por Gabriel Stargardter

Em lágrimas, Ana Paula Souza, o marido e filho pequeno partiram para os Estados Unidos. A família é mais uma entre as centenas que têm abandonado a pequena cidade de Alpercata nos últimos meses.

Localizada nas colinas da região sudeste do estado de Minas Gerais, há décadas que seus moradores partem em direção ao norte. Mas agora, com a situação agravada por uma pandemia que ceifou empregos, massacrou o real e detonou uma inflação de dois dígitos, o que era uma simples migração naquela área pobre que vive à base da lavoura do quiabo transformou-se um verdadeiro êxodo.

Dados da prefeitura revelam que centenas de famílias de Alpercata, com cerca de 7,5 mil habitantes, tiraram os filhos da escola e venderam seus pertences para financiar a jornada para os Estados Unidos. A padaria local já sente a falta de trabalhadores. Funcionários públicos abandonam o emprego. Os times de futebol locais estão ficando sem jogadores.

“Alpercata está esvaziando”, diz Ana Paula, de 23 anos. “Todo mundo está indo embora”. 

Ana Paula hoje mora em Orlando, na Flórida, fazendo bolos para a fim de completar o orçamento da família, junto com o marido, que trabalha na construção. Eles ainda têm uma dívida de $15 mil com o traficante humano que os trouxe para os EUA.

A debandada em  Alpercata e em cidades próximas marca o impacto contundente de uma pandemia que já matou mais de 600 mil pessoas no Brasil, atrás somente dos EUA em número de mortos por covid-19.

Também reflete o salto na migração para os EUA proveniente da América Latina, uma região desigual, violenta e mal governada que sofreu fortemente com o vírus. Brasileiros, haitianos e venezuelanos chegam em número recorde à fronteira sul dos EUA, inchando a massa habitual de mexicanos e centro-americanos que normalmente buscam a entrada no país.

Os brasileiros ocupam a sexta posição no ranking de nacionalidades detidas na fronteira em 2021, mostram dados do Customs and Border Protection (CBP). Foram 56,735 detidos, números que pressionaram o presidente Joe Biden para agir.

Não será fácil. Um mercado de trabalho americano em expansão e o dólar forte, fazendo com que as remessas de valores para o Brasil sejam substanciais, são apelos difícies de resistir. 

Diferente das ondas migratórias precedentes, predominante formadas por homens jovens que voltavam rapidamente para casa, desta vez estão vindo profissionais com formação, que farão muita falta no Brasil, disseram à Reuters autoridades, pesquisadores e a polícia. Enfermeiras, engenheiros e até funcionários públicos com empregos estáveis estão deixando o Brasil – muitos sem plano de volta. Em Alpercata, quase 5% dos 162 funcionários da prefeitura, o maior empregador da cidade, foram para os Estados Unidos este ano, disseram as autoridades municipais.

Muitos estão levando a família, aproveitando-se da política de asilo dos EUA, que permite que algumas nacionalidades, incluindo brasileiros, permaneçam em solo amercano enquanto aguardam uma decisão para seus pedidos, um processo legal que pode levar anos. Das famílias brasileiras detidas pelo CBP na fronteira sul no ano fiscal de 2021, 99% conseguiram entrar para aguardar aqui seus casos em curso nas cortes imigratórias.

A decadência pode ser vista nas escolas municipais de Alpercata, que perderam 10% dos seus 926 alunos até agora este ano, diz Lucélia Pimentel, secretária de educação da cidade. E outros mais continuam deixando a cidade diariamente, acrescenta.

Muitas dessas famílias agregam-se às comunidades brasileiras na Flórida ou em Massachusetts, cobiçando uma das 10,4 milhões de vagas de emprego abertas nos Estados Unidos.

“Os americanos não gostam de trabalhar, por isso há tanto emprego para imigrantes”, diz Ana Paula, a nova moradora de Orlando.

‘MERCADO NACIONAL’

Os sinais do esvaziamento de Alpercata são evidentes.

Nos jardins da prefeitura, onde mangas pendem das mangueiras como decorações numa árvore de Natal, uma escavadeira permanecia adormecida no começo de novembro. As autoridades disseram que o trator não estava sendo usado desde que o único operador que sabia manejá-lo migrou, semana atrás.

Em seu escritório no segundo andar da prefeitura, o secretário de Esportes, Jorge Estefesson, mostra para uma visita uma parede adornada com fotos de times de futebol de Alpercatas. Disparando nome atrás de nome, ele conta mais de uma dúzia de jogadores que hoje moram nos Estados Unidos.

Jorge diz que tem tido dificuldades para encontrar jogadores para disputar o campeonato da cidade. Crianças estão rareando também. Ele conta que somente 60 crianças registraram-se este ano para a escolinha de futebol, dois terços a menos que cinco anos atrás. 

“Tenho receio de que no futuro nós vamos acabar virando uma cidade de idosos, sem gente jovem”, diz.

As autoridades em Washington também estão preocupadas.

A maioria dos brasileiros que chegam aos EUA passam pelo México, onde não precisam de visto para entrar. Alguns pegam um avião até as cidades fronteiriças antes de se entregarem às autoridades americanas para pedirem asilo. Para conter esse caminho, os EUA têm pressionado o México para acabar com a isenção de visto para brasileiros. A Reuters reportou no mês passado.

O governo mexicano atendeu, e a partir do dia 11 de dezembro cidadãos brasileiros precisarão de um visto para entrar naquele país. Quem chegar por terra ou por mar terá de obter o visto antes em um consulado mexicano; quem chegar de avião deverá antes requerer um visto eletrônico online: https://www.acheiusa.com/Noticia/mexico-passa-a-exigir-vistos-de-brasileiros-a-partir-de-11-de-dezembro-100302/

Esse tipo de ação tem sido eficaz na contenção de outras nacionalidade. O número de equatorianos detidos na fronteira sul dos EUA desabou desde setembro, quando o México começou a exigir o visto para os visitantes do Equador. Em outubro, 743 equatorianos foram detidos, contra mais de 17,5 mil em agosto, de acordo com o CBP.

Mas a combalida economia brasileira vai continuar empurrando seus cidadãos para o norte, disse à Reuters uma autoridade americana e quatro autoridades brasileiras.

No mês passado, o AcheiUSA reportou  https://www.acheiusa.com/Noticia/numero-de-brasileiros-detidos-na-fronteira-aumenta-em-mais-de-mil-por-cento-desde-2018-98749/ que os traficantes brasilerios, conhecidos como “cônsuls” ou “coiotes”, têm lucrado com os problemas brasileiros.

A polícia diz que muitos dos principais coiotes visam a região do leste de Minas Gerais, que inclui Apercata. Mas estão expandindo a atuação para outras regiões do país com menos tradição de migração para os EUA, de acordo com a delegacia de Polícia Federal de Governador Valadares, cidade de 300 mil habitantes, perto de Alpercata. 

“Isso agora é um mercado nacional”, diz o agente federal Cristiano Campidelli, ex-chefe do setor em Governador Valadores que cuida do tráfico humano ilegal.

‘VALADÓLARES’

Mas o epicentro do fenômeno continua sendo Minas Gerais, estado rico em minérios, cujos laços com os Estados Unidos podem ser traçados desde o tempo em que os rádios usados nos aviões da Segunda Guerra Mundial precisavam da mica extraída em Minas. Quase todo mundo naquela região do Brasil tem um parente em Boca Raton ou em Boston, segundo Andre Merlo, prefeito de Govenador Valadares. O locais apelidaram a cidade de “Valadólares”, graças aos dólares eviados pelos emigantes dos EUA para lá.

O dólar forte é um atrativo para migrantes. A moeda americana subiu mais de 50% com relação ao real brasileiro desde o final de 2018, quando o presidente Jair Bolosnaro, de extrema-direita, foi eleito.

A migração disparou em seu governo, com o número de brasileiros detidos na fronteira aumentando em mais de 3.500% durante o período. Os brasileiros que vivem no exterior hoje enviam entre $300 milhões e $400 milhões para o Brasil a cada mês, segundo dados do Banco Central brasileiro, $100 milhões a mais que durante os dois primeiros anos do governo Bolsonaro. 

Embora os dólares sejam bem-vindos, cidades como Governador Valadares hoje sofrem com a falta de engenheiros e trabalhadores da área de saúde, revela o prefeito André Merlo.

Na pequena Alpercata, até o pão de queijo, o famoso quitute típico de Minas, está ameaçado.

Perto de uma igreja evangélica cujo logo inclui uma bandeira dos EUA, fica a padaria Chega Mais. A proprietária, Valquíria Riberio, diz que não consegue manter padeiros; já perdeu três para os Estados Unidos desde o começo da pandemia.

Faxineira de uma escola em Alpercata, Egnalda Oliveira traça os planos para sua jornada para o norte.  

Mãe de um adolescente, ela diz que a morte do marido e dos pais, junto com o aumento da inflação, a deixaram em dificuldades. Ela e o filho já tiraram os passaportes.

“Se eu pudesse, viajava amanhã”, diz.

(Reportagem de Gabriel Stargardter; reportagem adicional de Brad Haynes; edição de Marla Dickerson e Jorge Nunes (em português))

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