Brasil

Conexão UF: A juventude e o futuro da saúde pública no Brasil

Minhas experiências no ramo em Honduras, Colômbia, Haiti e Brasil

Demonstração de CPR no Haiti
Demonstração de CPR no Haiti

Quando comecei a estudar na Universidade da Flórida, nunca pensei que iria ter interesse em estudos internacionais. Planejava ser doutora, e estava matriculada em aulas de ciências. Minha primeira aula de português me deu a oportunidade de fazer um programa no Rio de Janeiro, pela primeira vez eu vi o Brasil além da perspectiva da minha família brasileira. Como a maioria dos meus parentes mora em bairros de classe média alta, eu raramente me dava conta da realidade das favelas, que é parte importante da cultura brasileira. No Rio, eu pude visualizar a divisão territorial entre o asfalto e o morro em primeira mão. O asfalto – beirando o mar – é onde as pessoas das classes médias e altas moram, e o morro – a região de topografia mais elevada – é onde vivem as pessoas com menos recursos monetários.  Esta experiência no Rio aprofundou o meu conhecimento do Brasil e me permitiu abraçar mais a minha identidade brasileira. Quando voltei para os Estados Unidos, meu interesse por justiça social através de saúde pública cresceu e, agora, se tornou a minha grande paixão. De fato, espero seguir carreira nesta área.

Festival sediado pela organização Juguemos en el Bosque em Medellín
Festival sediado pela organização Juguemos en el Bosque em Medellín

Minha primeira experiência com desenvolvimento e justiça social foi em 2018 quando eu fui a Honduras para uma viagem missionária. Lá eu trabalhei com comunidades de baixa renda, organizando clínicas médicas e providenciando acesso a remédios antes inacessíveis. Junto às clínicas, ensinamos lições cristãs dentro das escolas primárias e dos centros comunitários. Neste programa trabalhei por primeira vez com comunidades de grande pobreza, e me dei conta que, como estadunidense, posso ajudar comunidades que não conheço. Depois que voltei de Honduras, eu comecei a pensar se este programa realmente trouxe benefícios para as comunidades que servimos, ou se eu fui a pessoa que se beneficiou mais. As clínicas deixaram de existir após a minha saída, e também não tivemos um espaço para ensinar saúde preventiva durante a minha estadia. Nós como voluntários não vemos os efeitos em longo prazo, só pensamos naquele exato momento, e ficamos felizes ao crer que estamos “fazendo o bem”. Isso estabelece uma certa dependência, e as comunidades continuam presas a este ciclo de pobreza. Honduras, como o Brasil, sofre de corrupção crônica à nível federal. Junto a corrupção do governo hondurenho, programas de auxílio como o que eu participei acabam contribuindo ao sofrimento do povo. Eu descobri que organizações como estas necessitam de pesquisa e mais conhecimento para preencher a lacuna entre assistência e dependência. 

Após voltar de Honduras, encontrei uma oportunidade em Medellín, Colômbia, com uma organização sem fins lucrativos que se chama Juguemos en el Bosque. Esta organização cria programas e atividades em casas de adoção e proteção na cidade. Suas metas são para contribuir à educação e ao desenvolvimento afetivo em etapas de primeira infância e juventude através de um processo contínuo de fortalecimento de valores, direitos, deveres e desenvolvimento de suas capacidades. Isso enfim motiva crianças e adolescentes que vivem em vulnerabilidade a terem mais recursos e ambição profissional. Por dois meses, eu fui parte da equipe que ia para as casas de adoção e elaborava atividades com crianças, criando exercícios novos que tinham a ver com meu ramo de saúde pública. Por exemplo, eu preparei uma atividade de lavagem das mãos que incorporou tinta nas mãos para ensinar como os germes se espalham e como se deve lavar as mãos. Além desses feitos, a maior lição que aprendi, e levarei comigo para o resto da vida, foi como amar as pessoas, especialmente crianças, de forma incondicional. Estas crianças não têm a devida atenção e amor da sua família biológica, mas continuam lutando e crescendo apesar de obstáculos, como abuso e negligência. Esta experiência afirmou que o primeiro passo em ajudar as pessoas em qualquer situação é criar uma boa relação através da interação humana e do amor. Esta organização faz isso muito bem e suas metas se refletem nas vidas dos meninos e meninas dessas casas de adoção e proteção. 

Um ano depois, eu viajei para Cap Haitien, Haiti, com uma organização que se chama P4H Global. Sua missão é redefinir assistência de alívio temporário para que resulte em desenvolvimento em longo prazo através da formação de professores locais e de viagens com estadunidenses. Os estadunidenses, por vez, ensinam métodos de assistência afetivos durante uma semana no Haiti. Esta experiência combinou dois aspectos das viagens a Honduras e à Colômbia: saúde e conexões com a comunidade através da educação. Em uma vila na cidade de Cap Haitien, eu instruí membros da comunidade sobre assuntos como saneamento básico, malária, e saúde das mulheres, sempre considerando as normas da sua própria cultura, a infraestrutura, e a capacidade dos indivíduos da comunidade. No entanto, a comunidade também me ensinou muito sobre sua maneira de viver e sobre como abraçar culturas diferentes de minha. Foi um espaço de colaboração não só uma grande palestra. Essa experiência foi quase oposta da minha primeira viagem a Honduras. 

No futuro eu quero aplicar essas experiências em relação à educação e à saúde global no Brasil. Como filha de brasileiros nascida e criada nos Estados Unidos, eu sempre quis ajudar o país dos meus ancestrais e o meu país de coração, mas nunca me senti capaz por causa da dificuldade em falar português fluentemente. Conforme o meu português foi melhorando com as aulas da Universidade da Flórida (UF) e o meu conhecimento sobre saúde global através destas viagens foi se ampliando, me senti cada vez mais bem preparada para encarar os diversos obstáculos que impedem o desenvolvimento de uma boa saúde pública no Brasil.

Embora tenha me inteirado do sucesso de certos projetos na área de saúde no Brasil através dos noticiários, estou consciente que estas intervenções não são implementadas efetivamente. Por exemplo, o Brasil sediou a conferência Rio+20 e participou na Cimeira de Desenvolvimento Sustentável que definiu a Agenda 2030 em termos de desenvolvimento sustentável no mundo através da Nações Unidas (ONU) [1]. Uma das suas metas é implementar o objetivo #3 de saúde e bem-estar dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) [2]. Dentre os propósitos lá citados estão: “Reforçar a capacidade de todos os países, particularmente os países em desenvolvimento, para o alerta precoce, redução de riscos e gerenciamento de riscos nacionais e globais de saúde” e “Atingir a cobertura universal de saúde, incluindo a proteção do risco financeiro, o acesso a serviços de saúde essenciais de qualidade e o acesso a medicamentos e vacinas essenciais seguros, eficazes, de qualidade e a preços acessíveis para todos”[2]. O Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil é uns dos primeiros passos a acesso universal à assistência médica. No entanto, o SUS é um sistema em colapso por causa de mal gerenciamento. De acordo com Professora Lara Magalhães da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), há vários desafios na saúde pública do Brasil que também impedem que o SUS seja um sistema bem-sucedido. Ela menciona os seguintes obstáculos: falta de médicos, falta de leitos nos hospitais, falta de investimentos financeiros e uma grande espera para atendimento [3]. Todos estes fatores afetam os brasileiros mais pobres que não têm a mesma facilidade de arcar com as despesas de um seguro de saúde particular. Tudo isto remete à noção que objetivos e projetos no papel nem sempre se tornam intervenções bem-sucedidas. No futuro, quero trabalhar para eliminar esta lacuna entre ideias e ações através da educação, do alcance comunitário, da política e da pesquisa no Brasil, especialmente no que diz respeito às comunidades carentes em centros urbanos.

Texto produzido por Lorena Reis (University of Florida) –, com supervisão da Professora Andréa Ferreira e da redação.

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