Comunidade

Piloto filha de brasileiros faz a diferença em base da Força Aérea dos EUA

Karen é destaque na Base da Força Aérea americana em Columbus, Mississipi

Piloto filha de brasileiros, Karen Rubin Santos, é hoje instrutora da Base da Força Aérea dos EUA em Columbia, no Mississipi
Piloto filha de brasileiros, Karen Rubin Santos, é hoje instrutora da Base da Força Aérea dos EUA em Columbia, no Mississipi

Por Marcos Ommati / Diálogo

Em dezembro de 2013, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, promoveu Christine Fox a vice-secretária interina da Defesa, a mulher com o posto mais alto de todos os tempos no Pentágono. Mas, apesar da carreira brilhante, Fox talvez seja melhor conhecida por muitas pessoas como a inspiração para a personagem da atriz Kelly McGillis, Charlie Blackwood, no famoso filme dos anos 1980, Top Gun, no qual ela interpretou uma doutora em astrofísica, instrutora de voo e que acabou tendo uma relação amorosa com o personagem de Tom Cruise, o estudante de voo Maverick. Fox deu uma entrevista à revista People, em 1985 onde, entre outras coisas, disse: “Não sei nada sobre pilotar aeronaves, mas sei muito a respeito do cara no cockpit — sua missão, seu radar e seus mísseis”.

Era assim que muitas mulheres costumavam pensar naquela época, ou seja, sabiam muito sobre aviões, mas não pilotavam. Agora tudo mudou. Conheça Karen Rubin-Santos. Ela é Primeiro-Tenente da Força Aérea dos EUA. “Sim, eu assisti ao Top Gun, mas sabia antes do filme que voar era o que eu queria fazer. Eu sempre soube. Acredito que Top Gun tenha me inspirado no sentido de que não queria ser como Charlie. Ela sabia tudo de aviões, mas não era piloto. Eu queria estar no controle de um avião”, disse a atual piloto-instrutora da Base da Força Aérea dos EUA em Columbus, no Mississipi.

Major da Força Aérea dos EUA, Michael James Labarbera (dir), supervisor de Boomin’, diz que uma palavra que define Karen bem é “excelência”
Major da Força Aérea dos EUA, Michael James Labarbera (dir), supervisor de Boomin’, diz que uma palavra que define Karen bem é “excelência”. (Foto: Marcos Ommati)

Brasileira-americana

A 1° Ten Rubin-Santos nasceu em Miami, na Flórida, de pais brasileiros (Danilo e Enilda). Ela é a primeira brasileira-americana da família, o que diz achar “ótimo”. Ela cresceu falando português em casa, enquanto aprendia inglês na escola. Como ainda não é tão comum que latinas entrem para as forças armadas em seus países ¬– e muito menos que se tornem pilotos –, a 1° Ten Rubin-Santos disse que foi um choque para a sua família quando decidiu ingressar na Academia da Força Aérea. “Mas eu sempre soube que queria me alistar. Eu queria retribuir tudo o que recebi deste país”, contou.

Ela cursou a Academia de Tecnologia Científica e Marítima, mais conhecida como MAST (por sua sigla em inglês), que é uma escola pública de ensino médio (magnet school), com currículo voltado para as ciências matemáticas, na área de Virginia Key, em Miami. Ali, a 1° Ten Rubin-Santos ingressou no Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (JROTC, por sua sigla em inglês), o que lhe deu a primeira noção da estrutura e disciplina militares, um encaixe perfeito para uma autoproclamada nerd.

O programa era patrocinado pela Guarda-Costeira dos EUA, permitindo que a 1° Ten Rubin-Santos cumprisse os seus trabalhos comunitários exigidos pelo currículo da escola por meio do serviço militar, em sua base, em Miami Beach. “Eu me tornei uma parte da Guarda-Costeira e foi mais como uma aula extra que eu tive no ensino médio. Eu ganhei bastante experiência militar por meio dos estágios e ter feito parte daquele programa foi fantástico, mesmo que eu estivesse apenas fazendo serviço comunitário nos finais de semana.”

No entanto, faltava alguma coisa. “Eu queria ser como o meu tio [Bruno]. Ele era piloto comercial da [agora extinta] companhia aérea brasileira Varig. Ele costumava me levar a muitos lugares e deixava que eu ficasse na cabine do piloto, onde ele me mostrava todos os botões e o que eles faziam. Ele até me deixava fazer anúncios como: ‘Atenção todos os passageiros, vamos pousar em alguns instantes’, no sistema de alto-falantes do avião,” lembrou ela com carinho.

Após terminar sua formação no JROTC e, apesar de terem lhe oferecido uma bolsa de estudos para jogar futebol e estudar na Academia da Guarda-Costeira, ela, em vez disso, se dedicou ao seu sonho de se tornar uma piloto de avião. “Eu sabia que, na Guarda-Costeira, teria que pilotar helicópteros. Eu queria pilotar aeronaves de asas-fixas”, explicou a 1° Ten Rubin-Santos.

Durante uma visita à Academia da Força Aérea dos EUA, no Colorado, ela se decidiu. “Aquela visita realmente confirmou tudo o que eu já sabia. Fiquei com outros alunos em seus dormitórios e eles me disseram como eram suas vidas. Eu assisti a aulas com eles. A verdade é que, assim que cheguei lá, pensei: ‘É isso’.”

Uma experiência reveladora

O fato de que somente cerca de 20 por cento dos alunos da academia eram do sexo feminino só fez com que ela se sentisse mais determinada a realizar seu sonho. “Todo mundo rasteja na lama, usa esses óculos enormes… não é algo muito lisonjeiro; portanto, não há tempo para pensar sobre discriminação de gênero. Você só faz o que deve fazer e é bom que você se sobressaia porque, no final, só os melhores avançarão, independentemente do sexo.”

Talvez por isso, o fato de ser minoria nas salas de aula não tenha surpreendido a 1° Ten Rubin-Santos. Ela ficou mais surpresa ao descobrir, durante sua visita à Academia da Força Aérea, que sua religião, o catolicismo, não é predominante nos Estados Unidos, como sempre achou por ter crescido em Miami, uma cidade muito mais latino-americana — e por consequência muito católica — do que outra coisa. “Você poderia dizer que fiquei muito mais surpresa com o fato de que existem tantos protestantes nos Estados Unidos do que com o fato de que eu era uma minoria [por ser mulher] na sala de aula”, ela brincou. “A Academia da Força Aérea tem esta capela linda. Lembro-me de visitá-la e de me dirigir direto ao topo, a esse enorme e lindo teto de vitral … e de pensar: ‘Isso é tão bonito. Não vejo a hora de rezar e de ir à missa aqui’. Ao que nossa guia durante a visita respondeu: ‘Ah não, esta é a capela protestante; a católica fica no andar de baixo’. Fui à capela católica e ela era muito menor, mas nem por isso menos linda, e tornou-se uma grande parte do meu crescimento pessoal enquanto estive na academia.”

Após se graduar na academia, em 2013, a 1° Ten Rubin-Santos fez uma pequena pausa para relaxar no Caribe e fazer uma viagem tipo mochila nas costas pela Europa. Em seguida, ela começou seu programa de treinamento de pilotos, de 13 meses e duas fases, na Base da Força Aérea de Columbus, no Mississipi. Durante os primeiros meses de treinamento, os alunos aprendem teoria de voo e sistemas sobre a aeronave que irão pilotar; como ela funciona e como ela voa. Depois de muitas horas em simuladores de voo, os alunos passam para a T-6, que é utilizada como uma aeronave de treinamento. Na fase de treinamento prático, os alunos aprendem a aterrissar, fazer acrobacias, voar com instrumentos e, no final, a voar em formação, onde voam a uma distância de 10 pés (3 metros) de outra aeronave; “uma experiência muito bacana”, segundo a 1° Ten Rubin-Santos.

Uma instrutora muito capaz

A transição de aluna-piloto a instrutora não é algo fácil. “Não há margem para erro no que fazemos. Não há espaço para uma segunda chance”, disse o Major da Força Aérea dos EUA, Michael James Labarbera, supervisor da 1° Ten Rubin-Santos e chefe de Padronização e Avaliações do 37º Esquadrão de Treinamento da Base da Força Aérea de Columbus. Conhecida por ele e seus pares por seu nome de guerra “Boomin’”, o Maj Labarbera considera a 1° Ten Rubin-Santos uma aluna e uma piloto muito capaz. “Agora, [ela é] também uma instrutora muito capaz. No fundo, isso é o que importa. É ótimo que ela seja do sexo feminino e possa servir de inspiração para jovens garotas — e digo isso com base na minha própria experiência, porque eu tenho três filhas em casa — mas o que realmente importa é que ela é excelente no que faz. Na verdade, se eu tivesse que escolher uma qualidade para definir a 1° Ten Boomin’, seria ‘excelência’.”

Um tipo diferente de história de vida

Demonstrar excelência na escola e no voo é uma coisa. Outra coisa bem diferente é ensinar e é nessa atividade que a 1° Ten Boomin’ sente que sua história de vida tenha desempenhado um papel importante no avanço de sua carreira. “Eu sempre fui muito amigável e tive facilidade para me relacionar com as pessoas, mas acho que falar diferentes idiomas ajuda muito”, disse. “Aqui, em Columbus, temos muitos alunos internacionais e, às vezes, as dificuldades acontecem não por falta de compreensão do programa, mas porque eles precisam de um pouco de motivação para se sentirem mais em casa; então, quando falo com eles em português, ou em espanhol, ou em francês, pode-se ver como seus semblantes mudam completamente.”

Espere aí, francês?! “Bem, tendo crescido em Miami, todo mundo lá fala espanhol. Eu já usava o português em casa e quando passava os verões no Brasil. O inglês era bem natural para mim por causa da escola e dos meus amigos; então, como eu queria aprender outro idioma no ensino médio, eu escolhi o francês.” Está explicado.

Uma verdadeira inspiração

A opinião geral sobre a 1° Ten Boomin’ entre os alunos internacionais que falaram à Diálogo, durante a nossa visita a Columbus, foi a mesma. “É um enorme privilégio estar aqui, mas nós sentimos saudade de casa, e falar com alguém — especialmente uma instrutora — em nosso próprio idioma, ajuda tremendamente a aliviar esse sentimento”, disse o Segundo Tenente da Força Aérea do Peru, Rafael Hoyos Vásquez, que cursa o Programa de Liderança em Aviação da Base da Força Aérea de Columbus. “O fato de ela ser mulher é uma espécie de valor agregado, já que no Peru não existem pilotos de avião de caça do sexo feminino, por exemplo. Tenho certeza de que a instrutora 1° Ten Boomin’ é uma grande inspiração para as mulheres de todos os países.”

Tendo realizado tanto sendo ainda tão jovem – ela tem somente 25 anos — faz com que a 1° Ten Boomin’ tenha só mais uma coisa pela qual esperar ansiosamente, num futuro próximo. Ela gostaria de viver mais perto do seu marido, o Primeiro-Tenente da Força Aérea dos EUA, David Miller, um piloto de KC-10. “Neste momento, ele está servindo na Base Conjunta McGuire-Dix-Lakehurst, em Nova Jersey”, diz a 1° Ten Rubin-Santos, com os olhos cheios de lágrimas. Eles torcem para que sua próxima missão seja na mesma base; com sorte, na Base da Força Aérea Travis, em Vacaville, na Califórnia, perto de Sacramento. “Mas eu ainda tenho pelo menos um ano e meio pela frente aqui”, disse ela, sem pestanejar.

Por fim: Boomin’

Não seria justo terminar este artigo sem explicar o nome de guerra de Karen. “Acontece que, quando eu estou no avião fazendo acrobacias, eu gosto de surpreender meus alunos e dizer, ‘Boom!’ quando eles fazem algo corretamente, ou fazem algo realmente bem. Não sabia que eu dizia isso o tempo todo até que meus colegas me fizeram notar isso e, daí em diante, eu me tornei ‘Boomin’’ [algo como estrondosa]. Além disso, meus colegas geralmente sabem quando estou no prédio, devido ao volume do meu ‘booming’ [tom de voz] nos corredores”, se divertiu a 1° Ten Rubin-Santos.

Mas há outro motivo interessante para o apelido. Para adicionar à lista aparentemente interminável de talentos da 1° Ten Rubin-Santos, ela também é uma cantora semiprofissional e já vimos que ela tem uma voz “estrondosa”. Se você quiser ouvir uma pequena amostra, é só fazer uma visita a Columbus, Mississipi, durante um dos eventos organizados na Base da Força Aérea local. Karen “Boomin’” Rubin-Santos, frequentemente, canta o hino nacional americano durante tais eventos.

A Diálogo ia começar este artigo, dizendo: “Esta é a história de uma latina de 25 anos de idade, piloto-instrutora da Força Aérea dos EUA, que se destaca em tudo o que faz, joga futebol e também é uma cantora de qualidade”, mas quem teria acreditado nisso? ν

Publicado originalmente na revista Diálogo (Publicação oficial do Comando Sul dos Estados Unidos–https://dialogo-americas.com/pt/inicio) e reproduzido sob autorização.

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