Jorge Nunes

Al Sousa, um tipo inesquecível

Al Sousa, um tipo inesquecível. Foto: Ronira Fruhstuck

Eu tinha oito ou nove anos quando ia com meu pai, Jorge Milton, ao bairro carioca da Glória, onde ele pegava uns envelopes pardos em um guichê dentro de um prédio amarelo. Os envelopes continham matérias da Agência Nacional, o órgão governamental de notícias na época. Os papéis mimeografados com as matérias eram então enviados pelo correio para servirem de conteúdo para o “Brazil News”, jornal fundado em 1969 em Nova York pelo cunhado de meu pai, meu tio Álvaro Raymundo de Sousa Neto, em parceria com outros sócios.

Uma década antes, a dupla tinha criado o primeiro suplemento em um jornal carioca dedicado a automóveis, o “Autos e Motores”, encartado no “Diário de Notícias”, um importante matutino da época.

Meu pai se foi faz mais de vinte anos. Álvaro, como nós na família o chamávamos, inclusive sobrinhos, sem qualquer cerimônia, faleceu na semana passada em São Paulo, aos 84 anos.

Antigamente, na Seleções do Reader’s Digest, havia uma coluna chamada “Meu Tipo Inesquecível”, que retratava com humor um personagem que fosse não apenas uma celebridade, mas que também se destacasse pelo jeito inconfundível de ser, aquele sujeito que deixa uma lembrança indelével e agradável em todo mundo que o conhece.

Meu tio era um desses tipos inesquecíveis. Otimismo, cavalheirismo, bom humor e um extraordinário carisma pessoal eram qualidades que escondiam vários talentos. Nunca se formou em coisa alguma, mas foi jornalista, artista plástico, diretor de TV e relações públicas. Reza a lenda familiar que ele começou no jornalismo depois que terminou muito jovem um texto começado pelo pai dele, Ângelo Raymundo, experiente jornalista e publicitário, e ninguém conseguiu identificar o ponto onde tinha acontecido a mudança de um autor para o outro.

Boêmio abstêmio, menino da praia do Leblon e de Ipanema, Álvaro frequentou o círculo da Bossa Nova na Zona Sul carioca. Conheceu artistas e celebridades, chegando até mesmo a registrar numa gravação um dos famosos saraus na casa de Nara Leão, musa do gênero. Meteu-se com tintas, descobriu um talento de artista plástico e teve alguns bons trabalhos expostos. Trabalhou com Juca Chaves, dirigindo por algum tempo um programa de televisão na TV Rio, ou na Excelsior, não lembro mais. Dizia que ele e Juca haviam inventado o cumprimento “Oi!”, que era como o cantor começava o programa. Típico de um tipo inesquecível.

Como jornalista, trabalhou no “Diário de Notícias”, “O Fluminense” e enfim na “Luta Democrática”, para onde foi levado pelo próprio Tenório Cavalcanti, dono do polêmico jornal. O “homem da capa preta”, como Tenório era conhecido, comprou o passe de Álvaro com um Fusca novinho em folha. Além do trabalho na “Luta”, ele acumulava uma função no Ministério do Trabalho, na área de comunicações.

Um dia, resolveu deixar tudo isso e ir para os Estados Unidos com a mulher Teresa e o filho, também Álvaro, de um ano. A justificativa era o inconformismo com a situação política no Brasil, assolado então pela ditadura militar, que tornava cada vez mais difícil a vida para jornalistas. Conseguiu o cargo de correspondente nos Estados Unidos para o “Diário de Notícias”e desembarcou com mala e cuia em Nova York em 1968.

O “Diário de Notícias” fechou logo em seguida e a necessidade de sobrevivência o levou para a Varig, onde começou a trabalhar no check-in do aeroporto John F. Kennedy. Mas o jornalismo ainda era forte dentro dele. De tanto falar em jornalismo para todo mundo que ele conhecia, foi convidado para abrir com outros sócios em setembro de 1969 o “Brazil News”, considerado o primeiro jornal comunitário brasileiro nos Estados Unidos de circulação regular. Meu pai era o correspondente no Brasil, enviando mensalmente o material da Agência Nacional para Nova York. O “Brazil News” durou poucos meses, incapacitado de sobreviver à custa da ainda pequena comunidade brasileira na cidade.

Depois do “Brazil News”, Álvaro afastou-se do jornalismo. Transferiu-se para Miami em 1977, onde acabou virando o popular Al Sousa do aeroporto de Miami. Lá, impressionava a todos com voz cativante ao fazer ao microfone as chamadas para os voos. Brincavam com ele, dizendo que até os aviões paravam no ar para ouvir a voz dele. Graças à empatia no atendimento e aos inúmeros amigos que fez, tornou-se relações públicas da Varig, até se aposentar na década de 1990.

Em Miami, Álvaro começou um retorno tímido ao jornalismo, assinando a coluna “Periscópio” e fazendo entrevistas para revistas e jornais comunitários brasileiros do sul da Flórida, inclusive no AcheiUSA, onde a coluna foi publicada pela última vez, permanecendo até meados da década de 2000.

Durante a última década, consolidou sua reputação e foi reconhecido como jornalista pioneiro e de importância para a comunidade brasileira nos EUA. Ganhou um “Press Award” especial pela sua carreira, foi entrevistado pelo programa “Planeta Brasil”, da Rede Globo Internacional, e recebeu diversas outras homenagens. Era conhecido do ex-presidente da Associação Brasileira de Imprensa, Maurício Azêdo, que esteve em Miami quando da instalação da ABI-Inter – a Associação Brasileira de Imprensa Internacional -, da qual Álvaro era dono da carteira número um.

Al Sousa – ou Álvaro, para nós da família – era um homem generoso. Ajudou a todos que pôde, da forma como podia. Sou provavelmente o que mais lhe deve. É por causa dele, que um dia me apresentou uma passagem e trabalho nos Estados Unidos, que hoje existe o AcheiUSA. Tenho imenso orgulho de ter podido terminar o que ele começou, da mesma forma que ele terminou o texto do meu avô que o revelou para o jornalismo. Não participou diretamente da criação do AcheiUSA, mas sempre esteve presente com conselhos e apoio no que fosse necessário. Por isso, consta do nosso expediente como Conselheiro Honorário, e assim constará para sempre in memorian.

Álvaro gostava de fazer surpresas. Em suas inúmeras visitas regulares à família no Brasil, costumava mostrar presentes como se eles fossem para outras pessoas antes de dizer para quem eles eram de verdade. Quase matou do coração a mãe Pilar quando apareceu de surpresa no aniversário dela de 80 anos.

Seu falecimento não foi supresa, entretanto. Álvaro mudou-se com a segunda mulher, Lucia Martinusso, para São Paulo em 2014, a fim de ficar mais perto da família e ter mais assistência durante a cruel enfermidade que lhe tirou gradativamente o brilho. O clichê que sempre aparece nessas horas, quando nada mais pode ser feito para restaurar uma vida brilhante, é inevitável: ele descansou.

Mas se a sua passagem deixa dor, no entanto sua lembrança nos vai trazer sempre de volta a vida digna, honrada e extremamente feliz de um tipo verdadeiramente inesquecível para todo mundo que o conheceu.

Adeus, Álvaro.

Clique aqui para ver a homenagem dos amigos ao jornalista.

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