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Cabeça-oca scuba dive: expedição em St. Vincent & Grenadines no Caribe

Em uma de minhas expedições de mergulho fui a St. Vincent & Grenadines no Caribe, em busca de uma espécie rara de concha que supostamente vive abaixo dos 30 metros de profundidade

Em uma de minhas expedições de mergulho fui a St. Vincent & Grenadines no Caribe, em busca de uma espécie rara de concha que supostamente vive abaixo dos 30 metros de profundidade, e que só pode ser encontrada à noite. Como em outras viagens, fiquei no veleiro de um amigo irlandês, Tony McCleery. O Tony viveu nesse veleiro que ele mesmo projetou entre 1992 até 2010, quando já estava com 75 anos e se “aposentou”. Era um verdadeiro lobo do mar, passou a maior parte do tempo sozinho, enfrentando de tempestades a piratas. Seu veleiro era muito confortável, três quartos sendo duas suítes. E o melhor de tudo: tinha um compressor com cinco tanques, o que me daria muitas horas de mergulho todos os dias! (na realidade o melhor de tudo é que tinha água quente para o banho depois do mergulho…)

Durante o dia geralmente eu fazia um reconhecimento do local onde iria mergulhar à noite, para ver como era o fundo, se tinha muita correnteza, tubarões, etc. Mergulhar à noite já é mais complicado e abaixo de 20 metros é pior pois se tem que controlar o tempo para poder fazer uma descompressão segura na subida. Eu prefiro mergulhar em profundidades de até uns 10 metros, porque posso ficar até o finzinho do ar do tanque sem esquentar a cabeça com descompressão. Ah, eu costumo mergulhar sozinho: Crianças, não façam isso em casa – sim, eu sei que não se deve fazer isso, mas não dá certo trabalhar e cuidar do seu parceiro ao mesmo tempo, nenhum dos dois faz nada. E o Tony ficava cansado no fim do dia, eu não poderia pedir que mergulhasse comigo.

O Tony criou um sistema de segurança para mergulhar à noite muito prático: colocou uma corda com 200 metros dentro de um balde de onde poderia ser puxada com facilidade sem embaraçar através de uma roldana na popa do veleiro. Eu descia com a corda em meu pulso até sentir que havia acabado (ficava amarrada ao barco na outra ponta). No fundo eu a desamarrava e deixava na areia, para voltar em zig zag em seu entorno e assim cobrir uma área maior. Ajudava também a encontrar o barco com mais facilidade na volta, mesmo com bússola às vezes fica difícil.

Fomos a Mustique – uma pequena ilha particular onde a realeza e pessoas famosas passam suas férias (como Mick Jagger, Princesa Margareth, David Bowie, Shania Twain, Kate Moss…). Como chegamos no fim da tarde eu não pude verificar o local antes do meu mergulho noturno, mas iria realizá-lo de qualquer forma. Estava bem escuro e ventando, me preparei com todo o equipamento, prendi o colete no tanque e o joguei na água – prefiro colocá-lo nas costas dentro da água. Desci as escadas do veleiro, ajustei o tanque e tentei submergir.

Alguma coisa estava errada já que não conseguia afundar – será que havia perdido alguma peça de lastro de meu cinto, ou estava muito cansado? Forcei a descida e fui pedalando forte para o fundo. Quando cheguei no fundo a uns 30 metros notei que o ar não fluía como deveria, estava bem duro de respirar. Chequei o manômetro e estava a zero: ou ela estava completamente vazia ou havia esquecido de abrir o registro (primeiro estágio). Me contorci e confirmei que o registro estava todo aberto, então era falta de ar mesmo! A 20 metros, sozinho, à noite. Por isso não afundava no começo do mergulho, o tanque de alumínio sem ar flutua quando está perto da superfície.

Olhei aquele mundaréu de água escura acima, quase não se via nada porque estava sem lua. Lembrei do curso que havia feito (em 1990…), e principalmente das regras básicas de não segurar o ar na subida. Eu poderia respirar no máximo duas ou três vezes para subir antes o tanque secasse completamente, então comecei a nadar o mais rápido possível para cima – soltando todo o ar para que meus pulmões e os tímpanos não explodissem na subida. O problema é que o ar acabou completamente quando eu ainda estava a uns 15 metros! E com toda aquela adrenalina meu corpo começou a pedir mais oxigênio – que não existia.

Aqueles segundos restantes pareciam não acabar nunca e eu já estava me sentindo meio tonto. Só não vi minha vida passar em frente aos meus olhos porque estava escuro lá em baixo. Finalmente cheguei à superfície, bom, quase saí da superfície como uma rolha. A primeira coisa que fiz foi verificar se não havia sangue dentro da máscara – se tivesse seria sinal de algum problema e necessitaria de uma câmara de descompressão. E ali perto duvido que haveria uma, a menos que o Michael Jackson estivesse na ilha e tivesse trazido a sua (ele ainda estava vivo naquela época).

Mas tirando uma leve zonzeira, eu estava bem. Emergi um pouco afastado do veleiro, mas por sorte não larguei a corda, então a usei para não ter que nadar demais, por “algum motivo” eu estava sem fôlego. Subi as escadas com tanque e tudo mais, e ainda tive que contar ao Tony a burrada que havia feito. Não me considero um profissional e nunca confio demais na minha experiência – só que naquele dia, Murphy agiu e acabei esquecendo de verificar o manômetro do tanque antes de cair na água. Como eu mesmo enchia os tanques, tinha certeza de que todos estavam cheios. Só que aquele estava com a válvula quebrada, o que deixou todo o ar escapar durante o dia.

Sei que existe uma estreita linha que divide a coragem da estupidez, acho que naquela noite eu passei para o outro lado. O pior é que não achei nenhuma concha maledeta naqueles segundos que estava lá embaixo, droga!

PS. Encontrei a concha que procurava uns dias depois, durante o dia e a cinco metros de profundidade!

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