Jorge Nunes

O futuro a ninguém pertence

O  mundo é interessante justamente por causa da sua imprevisibilidade. Se a gente soubesse tudo que iria acontecer não haveria a menor graça. Todo mundo dividiria o prêmio da loteria, o final da novela ficaria estragado e ainda não adiantava torcer por time nenhum, porque  ficaríamos sabendo de antemão qual deles seria o campeão.

Isso vendo a coisa pelo lado mais ameno. O pior seria saber com antecedência o dia e a hora em que passaríamos desta para a melhor, ou o momento exato daquele acidente doloroso que nos levaria para o hospital. Não, é melhor não saber do futuro.

A História se encarrega de criar os enredos mais inesperados para o mundo, seja para o bem ou para o mal. E não está nem aí para o que a gente pensa. Por mais que tentamos, erramos muito mais do que acertamos na previsão do futuro. Não importa quanta experiência você tenha ou quantas informações acumulou na vida, o futuro insiste em fugir das suas previsões. Certo, às vezes alguém acerta uma ou outra, mas em geral é mais por acaso que por dedução.

Por isso, o pequeno exercício de futurologia sobre o Brasil que segue vai apenas a título de curiosidade. Vamos lá.

Ainda vão continuar por algum tempo as discussões bizantinas e aparentemente infinitas em torno do processo de impeachment de Dilma Rousseff, mas uma hora o assunto vai esfriar. Depois de destilado e diluído todo o ódio ao judas da vez e imolado o atual bode expiatório dos nossos erros, as pessoas vão começar a olhar para a própria vida novamente e a se perguntar o que mudou de verdade depois da posse de Michel Temer. Ou se o que mudou foi para melhor ou para pior.

Os dois anos de mandato que restam ao vice empossado serão insignificantes perto da tarefa que vão lhe cobrar. Em dois anos, a probabilidade de alguma melhoria significativa na economia é bem pequena. O próprio novo governo reconhece isso. Menor ainda a possibilidade de acabar com a corrupção no país, consertar sua infra-estrutura, garantir a segurança, curar o sistema de saúde, arrumar as estradas e arranjar emprego para todo mundo.

As promessas feitas à sociedade em troca da derrubada do governo não serão cumpridas. Ao contrário, em vista das medidas anunciadas pelo governo Temer e dos acordos políticos feitos para viabilizar o impeachment é possível que a situação do cidadão trabalhador piore bastante nos próximos dois anos. As mudanças com relação à aposentadoria e ao Fundo de Garantia sinalizam nesse sentido. A politicagem e a corrupção aumentarão ainda mais, por conta dos acordos firmados para promover a derrubada do governo. As investigações sobre as negociatas serão estrategicamente retiradas da pauta dos noticiários e dos memorandos dos juízes, uma vez cumprida a sua missão de poder.

No momento em que o cidadão cair na real ele vai se dar conta de que o Brasil que ele imaginava existir no passado e que queria de volta nunca existiu. Vai lembrar-se de que a corrupção e todos os problemas que ele achava que foram criados na última década são na verdade mazelas nacionais centenárias. E vai constatar, horrorizado, que o governo que ele ajudou a empossar na verdade representa tudo de errado que ele pensava combater.

O cidadão vai lembrar-se, também, de um tempo menos remoto em que o Brasil parecia estar mudando. Um tempo quando o país, ajudado por diversas circunstâncias, cresceu como nunca e ameaçou cumprir seu ideal de futuro. Um tempo curto mas suficiente para subirmos da décima-segunda para a sétima posição entre as economias do mundo, quando diminuímos nossa distância tecnológica dos países mais desenvolvidos, quando a acessibilidade aos bens de consumo nunca foi maior, quando o mundo abriu-se para nós e espalhamos nossa prosperidade de turistas por toda parte, abarrotando aeroportos e alfândegas. Um tempo em que o mundo apostou no Brasil e nos confiou a organização dos dois maiores eventos esportivos do planeta, realizados com sucesso, apesar de todos os percalços e alguma torcida contra. Um tempo quando o salário mínimo nunca foi tão máximo, alcançando um valor muito maior do que os historicamente prometidos e nunca antes cumpridos cem dólares por mês. Enfim, um tempo em que parecia ter finalmente chegado a libertação para uma classe que parecia condenada à miséria histórica, enquanto a classe média tirava fotos e mais fotos ao lado do Mickey e entupia shopping centers em Orlando.

Daqui a dois anos, suponho, o cidadão vai comparar a sua vida com a do período acima, e vai reagir da mesma forma indignada que agora. Ressurgirá então uma figura-símbolo que encarnará esse curto período de prosperidade, e ela vai encaixar-se como uma luva na imagem do salvador da pátria, aquela mesma herdada do sebastianismo do colonizador, tão recorrente na nossa mitologia política.

Desconfio que há mais gente com a mesma intuição que a minha, e tenho certeza de que estão sendo tomadas providências desde já para que essa figura não ressurja das cinzas.

Se deixarem, ela voltará nos braços do povo.

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