Colunas Jorge Nunes

Os amigos do briqueiro

Juca Rufino (não é o nome verdadeiro) trabalhava no “brique”, o termo usado pelos brazucas para denominar a profissão de pedreiro em terras gringas. Trata-se de um termo genérico que, obviamente, vem de brick, ou tijolo, mas quem trabalha no brique, além de lidar com tijolos, exerce também outras atividades na construção, de acordo com sua especialidade. Pois Rufino trabalhava duro no brique e fazia lá seus bons dólares, suficientes para pagar a vaga no quarto que dividia com mais três “roommates”, alimentar-se bem, tomar uma cervejinha no fim de semana e, principalmente, mandar boa parte do salário para o Brasil, que a família pobre usava para melhorar um pouco a vida, guardando o que sobrava para um dia comprar a casa própria no interior de Minas Gerais, para onde Rufino retornaria enfim.

A vida mudou quando um two by four, espécie de viga de madeira com quatro polegadas de largura por duas de profundidade, desabou de um andaime, caiu-lhe sobre as costas e esmagou uma vértebra, deixando Rufino paralisado para o resto da vida da cintura para baixo. O sonho de juntar os suados dólares para a aposentadoria teria acabado ali se Rufino não tivesse arrancado, graças a alguns advogados mais atentos, uma bolada da companhia de construção para a qual ele prestava serviço. Uns diziam que a indenização foi de várias centenas de milhares de dólares, outros garantem que chegou a alguns milhões. O que é certo é que a grana era mais que suficiente para Rufino voltar para o Brasil e comprar terras que não acabavam mais nas Minas Gerais. E nunca mais trabalhar.

Mas, assim como há advogados atentos, há também amigos atentos. Choveram propostas mirabolantes de negócios infalíveis que multiplicariam por mil a fortuna de Rufino. O olho cresceu e ele resolveu que ficaria por aqui, viraria um empresário multimilionário e traria toda a família para os Estados Unidos no futuro. Não tinha papéis, portanto se saísse do país não poderia voltar. Nem rico. Mas poderia trazer a família.

Um amigo caminhoneiro sugeriu que ele abrisse uma empresa de transportes. Rufino acedeu à proposta e comprou logo dez caminhões. Mas não previu que precisava de um lugar para guardá-los. Alugou então um grande espaço numa esquina de Pompano Beach e estacionou lá sua frota. Esqueceu também que precisava de funcionários e motoristas, mas não era fácil encontrar assim dez motoristas brasileiros (Rufino não falava inglês, por isso exigia que todos os funcionários fossem brasileiros) com carteira de motorista CDL (válida para caminhões), em situação legal no país e procurando emprego. Acabou encontrando só uma meia-dúzia, que lhe aplicaram todo tipo de calotes. Rufino não contava também com os custos de combustível, manutenção e seguro da frota, sem falar na falta de carga para transportar. Depois de alguns meses de prejuízo, resolveu vender os caminhões e os torrou num leilão de usados.

Um outro amigo o convenceu de que abrir um jornal era um ótimo negócio, além de trazer um certo status de importância social para ele. Rufino gostou da ideia, tanto que não somente comprou um jornal comunitário brasileiro que já circulava como também decidiu que compraria uma rotativa para imprimi-lo e também os jornais concorrentes. Mas ele não sabia que a rotativa precisava de um grande espaço para ser montada, que teriam de vir operadores especializados, tinha que ter papel, tinta e passar por manutenção permanente. E nem que os jornais concorrentes não iriam imprimir na gráfica de um concorrente, é claro. A rotativa, comprada usada, imprimiu umas duas ou três edições do seu jornal e travou para sempre. Virou sucata e o jornal fechou.

A essa altura já havia escoado um tanto da bolada que lhe caiu nas costas. Generoso, Rufino pagava rodadas e mais rodadas para os amigos nos botequins brazucas da região, dava churrascos homéricos na sua grande casa de Parkland, patrocinava shows de artistas sertanejos vindos do Brasil e pagava o dízimo a pelo menos cinco igrejas evangélicas. E ia embromando a família em Minas, prometendo uma volta breve, com muitos milhões a mais no bolso.

Apesar dos prejuízos, ainda tinha algum dinheiro. Um terceiro amigo, corretor de imóveis, lhe garantiu que o caminho dos milhões nos Estados Unidos estava no real estate, o mercado imobiliário. E a grande oportunidade ficava na cidade de Port Saint Lucie, acima de West Palm Beach, onde as casas se valorizavam mais rápido do que eram construídas. Rufino foi lá conferir. Ficou encantado e comprou três casas de uma canetada só, para alegria do amigo corretor. Durante alguns meses viu o patrimônio crescer, com as casas valorizando como previsto. Mas a bolha imobiliária estourou de repente em 2008 e, atônito, Rufino viu a crise consumir quase todo o valor dos seus imóveis, incluindo a casa de Parkland. Atolado em prejuízo, vendeu tudo e tentou juntar os cacos do seu patrimônio, então reduzido a uma sombra do valor inicial. Mesmo assim, ainda era uma grana razoável. Rufino resolveu acabar de vez com aquela vida de empresário. Voltaria com o dinheiro para o Brasil e compraria uma boa casa por lá, como era o plano inicial.

Um quarto amigo, entretanto, o convenceu para mais uma tentativa. Dessa vez era tiro certo: um restaurante brasileiro super popular, com freguesia firme, que o próprio Rufino frequentava e testemunhava o sucesso. Seduzido, usou seus últimos dólares para comprar o negócio. Mas ele não entendia nada de restaurantes, de compras, mantimentos, limpeza, cozinheiros, garçons e garçonetes, e ainda por cima o negócio dependia muito da popularidade do dono anterior. A freguesia rareou, a casa minguou e Rufino amargou seu último e definitivo prejuízo.

Novamente pobre e agora também inválido, restou-lhe a caridade de alguns amigos verdadeiros, que fizeram uma vaquinha e lhe compraram uma passagem de volta para o Brasil.

E nunca mais se ouviu falar de Juca Rufino por aqui.

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