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Sociólogo avalia respostas das igrejas evangélicas brasileiras à crise de covid-19 na Flórida

Especialista analisou instituições religiosas em diferentes partes do estado durante três meses para entender a influência dos líderes evangélicos na condução da pandemia

Igreja Templo de Salomão (foto: Reprodução Facebook,)
Igreja Templo de Salomão (foto: Reprodução Facebook,)

Desde o início da pandemia, muitas foram as restrições impostas pelas autoridades federais, estaduais e municipais. Entre elas o fechamento de comércios não essenciais, a proibição de aglomerações e o cancelamento de festas.

As igrejas evangélicas na Flórida, não totalmente imunes às restrições, reagiram de forma ambígua e, algumas vezes contraditória, às medidas de segurança exigidas pelas autoridades. “Se por um lado os pastores brasileiros nos EUA têm um alinhamento com as igrejas brasileiras e com o evangelicalismo norte-americanos, que em muitos casos tiveram problemas com as autoridades quanto às ordens de não aglomeração, por outro lado, tem uma população de brasileiros, muitos deles indocumentados, que eles não querem colocar em risco”.

A análise é do sociólogo Rodrigo Serrão, professor da Hope College, em Michigan, e que vem estudando questões religiosas, imigratórias e raciais dos brasileiros nos EUA.

Doutorado pela University of South Florida, Rodrigo analisou, juntamente com o dr. João Chaves, entre março e maio do ano passado, três igrejas na Flórida para entender como elas estavam respondendo às restrições de cultos presenciais estabelecidas no início de 2020. Foram analisados 57 sermões transmitidos pela internet.

Rodrigo diz que a reação quanto à pandemia variou entre as diferentes igrejas. Apesar de acreditar que eles seguiram com críticas brandas em comparação às igrejas americanas, em vista do bem-estar dos seus membros e devido à dura política imigratória de Trump, o que se observou foi um misto de obediência e revolta. “Apesar de obedecer às regras, isso não os impediu de criticar algumas decisões tomadas pelas autoridades locais para conter a propagação do vírus”, observou ele.

Para respeitar a proibição dos cultos presenciais, as igrejas lançaram mão dos cultos online na intenção de manter a participação de seus membros nas igrejas.

Os cultos transmitidos pelo Facebook e Youtube alcançaram, pela primeira vez, não somente os membros das igrejas como pessoas de outras partes do estado e do país.

Alguns pastores, no entanto, expressaram seu descontentamento até o limite de incentivar a desobediência às leis.

Em uma pregação online, assistida por mais de 800 pessoas, um pastor dedicou um sermão inteiro sobre a suposta interferência do governo local na igreja. A crise, naquele momento, obrigou as autoridades a decretar toque de recolher.

Rodrigo Serrão é professor de sociologia na Hope College, em Michigan (foto: divulgação)

Usando uma passagem do Livro de Daniel, o pastor disse: “Deus é o único que pode nos parar. Nós estamos lidando com incertezas. Nós estamos lidando com decretos que são impostos pelas autoridades governamentais que dizem que isso deve ser desse jeito ou daquele jeito. Preste atenção porque estas são estratégias do demônio. Não estou dizendo que você deve ir contra o governo. Estou dizendo que chegará um tempo quando as ideologias que são ensinadas pelas autoridades irão confrontar a verdade da palavra de Deus e então eu pergunto, o que você irá fazer?”.

Rodrigo considera que a fala do pastor espalhou desconfiança no governo, particularmente os de esquerda. “A fala dele sobre ideologia pode também ser direcionada às recentes discussões sobre a ideologia de gênero no Brasil.

A mão de Deus e o alinhamento conservador

Segundo o professor, os pastores falaram abertamente em seus sermões contra as proibições das autoridades, além de pregar que a pandemia seria um castigo de Deus.

Rodrigo aponta que as igrejas evangélicas, tanto no Brasil quanto nos EUA, tendem a se alinhar com os governos conservadores. O ex-presidente Donald Trump teve apoio massivo dos pentecostais para na sua candidatura. O mesmo aconteceu com o presidente Jair Bolsonaro no Brasil.

Ambos os governos tiveram uma política negacionista da eficácia das medidas de segurança, como o distanciamento social e colocaram as igrejas na lista de serviços essenciais.

Coube aos governos locais estabelecerem medidas que proibissem os cultos presenciais. “Enquanto os pastores brasileiros nos EUA teciam críticas às medidas sanitárias, eles tinham que ter um posicionamento que demonstrasse que eram seguidores das leis”, disse.

Outro ponto observado por Rodrigo foi o tom apocalíptico empregado pelos pastores nos cultos no qual teve acesso. Apesar de não ser um tema novo empregado por eles, com a pandemia o tema ganhou uma proporção maior. A pandemia seria um “castigo” de Deus.

“Os pastores lançaram mão dos textos apocalípticos e estavam fazendo uma interpretação à luz da pandemia, não somente quanto a doença em si, mas também quanto ao alcance da doença e a proibição dos cultos como sendo o início de uma perseguição dos cristãos culminando com o surgimento de um salvador da pátria, um anticristo”, diz ele citando outro pastor que pregava a ideia de que um anticristo será um líder mundial carismático que trará paz e estabilidade para a humanidade em tempos de crise.

Um pastor brasileiro do norte da Flórida, segundo ele, acredita que a Bíblia previu a pandemia de 2020. De acordo com este pastor “as coisas que estão acontecendo hoje foram profetizadas pelos nossos pais, pelos profetas muito anos atrás”. Outro do centro do estado disse acreditar que até mesmo se o vírus tivesse sido criado pelo homem, Deus deixou que acontecesse.

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