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Um novo banco com duzentos anos de tradição

Leandro Alves, presidente do Banco do Brasil Americas, conta como foi que a comunidade brasileira nos Estados Unidos acabou ganhando um banco que fala a sua língua

É muito comum comparar a comunidade brasileira nos Estados Unidos com uma cidade pequena do interior do Brasil. Não só por causa da origem da maioria da sua população, em boa parte formada por gente trabalhadora, vinda de pequenas cidades interioranas e com grande contingente de emigrantes, mas também pelo aspecto comportamental no jeito dela se organizar, fazer negócios e interagir entre si. E assim como toda pequena cidade brasileira que quando cresce ganha logo uma agência do Banco do Brasil para ajudar no seu desenvolvimento, também a comunidade brasileira nos Estados Unidos acaba de ganhar o seu próprio banco. Desde o lançamento oficial do Banco do Brasil Americas, no dia 12 de outubro passado, que os brasileiros já podem abrir contas e usar os serviços de um banco americano, mas que na verdade pertence ao nosso Banco do Brasil, com todas as vantagens e facilidades de uma instituição que há duzentos anos conhece os brasileiros como ninguém.

O projeto de instalação do Banco do Brasil como um banco de varejo nos Estados Unidos levou seis anos, e foi comandado pelo gaúcho Leandro Martins Alves, de 51 anos, há trinta funcionário do banco. Leandro chegou aqui em 2006 para assumir a gerência regional do Banco do Brasil para as Américas do Norte e Central, que já possuía uma agência em Nova York e outra em Miami. Ele veio com a missão de rever a estratégia do banco nos Estados Unidos e acabou identificando na nossa comunidade de 1 milhão e 253 mil pessoas a oportunidade de atender a um universo que movimenta cerca de 50 bilhões de dólares por ano, de acordo com a estimativa de população e rendimento dos brasileiros que moram nos Estados Unidos, revelada nas pesquisas encomendadas que antecederam o projeto.

Leandro, agora presidente do novo banco que surgiu dessa oportunidade, o Banco do Brasil Americas, recebeu a reportagem do AcheiUSA na sede da instituição, em Coral Gables, na Flórida, e nos contou em detalhes como foi toda a operação que trouxe o Banco do Brasil para o Exterior pela primeira vez como um banco local, e não mais como uma simples representação da sua matriz.

ACHEIUSA: Como surgiu a ideia de criar o Banco do Brasil Americas?
LEANDRO ALVES: Em 2006, eu assumi a gerência geral do Banco do Brasil para a América do Norte, com a orientação de fazer uma revisão estratégica nas operações na região. Minha primeira providência foi no sentido de obter o maior número possível de informações, ouvindo as pessoas, reunindo dados sobre a comunidade e os brasileiros que vivem nos EUA. Num encontro em Washington com várias autoridades brasileiras, o presidente da comissão de Aeronáutica comentou comigo que era nosso cliente no Brasil há mais de 30 anos, e me questionou sobre o que o Banco do Brasil daqui “que já existia desde 1969, quando foi inaugurada a agência de Nova York” poderia fazer por ele. De uma forma educada e muito sutil, ele me questionou sobre a própria razão da presença do BB nos EUA. Um outro episódio contribuiu para decidir que caminho deveríamos tomar. Durante as eleições de 2006, eu era presidente de mesa numa das zonas de votação em Nova York. Uma das colegas de mesa comentou comigo que o BB era um banco elitista e que virava as costas para os brasileiros que estavam nos EUA. Isso me incomodou bastante, porque a questão do envolvimento social é uma coisa muito forte na filosofia do BB, e até então nós realmente não oferecíamos nada para esse imenso grupo que constituía a comunidade brasileira nos Estados Unidos

AU: Ou seja, o BB não cumpria para os brasileiros nos EUA o mesmo papel que cumpria no Brasil.
LA: Sim. Isso deixou claro que eu tinha um problema: grande parte da comunidade brasileira possuía carências que o BB até então não poderia suprir. A instituição estava presente nos EUA apenas como um banco internacional, e como tal tinha várias restrições para atender aos residentes. Por exemplo, para alguém abrir uma conta nas agências do BB de Miami ou de Nova York são necessários 250 mil dólares de depósito inicial. Essa é uma limitação muito forte para a grande maioria da nossa comunidade, mas que não existe no BB Americas, já que não há depósito mínimo para abrir uma conta.

AU: Foi feita alguma pesquisa para ajudar nas diretrizes?
LA: Depois de constatar esse problema, fizemos diversos estudos para identificar oportunidades de mercado, através de consultorias especializadas. Elas fizeram um levantamento econômico completo da comunidade e o resultado desses estudos e consultorias nos ajudaram a avaliar as oportunidades. Chegamos à conclusão de que havia quatro caminhos a seguir, e um deles seria investir no mercado de varejo nos EUA. Naquele momento, em 2006, os bancos americanos já começavam a buscar a comunidade imigrante, e depois do Onze de Setembro, por questões de segurança, o governo americano resolveu estimular a bancarização da população, para que o dinheiro ficasse dentro do sistema. Porque com o dinheiro dentro do sistema bancário seria mais fácil controlar o movimento do capital, e por conseguinte ter mais segurança, sabendo que ele não vai parar na mão de terroristas, por exemplo.

AU: Que espécie de consultoria vocês utilizaram?
LA: Usamos basicamente a consultoria da A.T. Kearney. A partir da análise técnica da A.T. Kearney, entre as quatro possibilidades de atuação identificadas uma se destacou. Chegamos à conclusão de que a abertura de um banco de varejo nos EUA, que pudesse atender aos residentes como qualquer outro banco americano, seria a oportunidade mais interessante. Nossa primeira dúvida foi então saber se era possível a abertura de contas de pessoas que não estariam plenamente documentadas nos EUA. Consultamos quatro escritórios de advocacia, e todos foram categóricos ao afirmar que isso não seria um impedimento. Daí passamos a uma análise financeira para saber se a iniciativa seria rentável ou não. De posse de todos os pareceres técnicos, a análise resultou na conclusão de que essa operação tinha grandes possibilidades de dar certo, e ainda tinha total aderência à estratégia geral do Banco do Brasil.

AU: Foi a partir daí que começou o processo de colocar em prática o projeto?
LA: Depois da certeza de que era esse o caminho, tínhamos que segui-lo com rapidez, antes que outra instituição o fizesse. Preparamos um relatório e fomos à administração do banco, no Brasil. No início de 2007, recebemos autorização para desenvolver o projeto e começamos a trabalhar efetivamente nele. Isso foi um pouco antes da crise imobiliária nos EUA. Em novembro daquele ano, tivemos vários encontros com autoridades americanas, e em janeiro de 2008 realizamos a primeira reunião com os reguladores do sistema bancário americano, em New Jersey. Naquela reunião, deixamos claro que a nossa intenção era abrir o banco no dia 12 de outubro de 2008, data que coincidia com o aniversário de duzentos anos do Banco do Brasil. A defesa do nosso projeto foi feita pelos melhores técnicos que pudemos encontrar nos Estados Unidos.

AU: Ficou decidido que o BB compraria um banco, então.
LA: Naquele momento, a intenção não era de comprar um banco, mas de montar um a partir do zero. Recebemos autorização para prosseguir e começamos a trabalhar na ideia de começar a operar em outubro de 2008. Foi justamente aí que desabou a crise imobiliária americana, e com ela todo o processo foi interrompido. As autoridades americanas devolveram o nosso plano de negócios, porque naquele momento a situação dos bancos americanos era muito precária. Numa hora em que o governo americano estava prestes a ir ao Congresso para pedir um aporte de 800 bilhões de dólares a fim de socorrer o sistema bancário, como que eles poderiam justificar uma autorização para um banco saudável e forte como o BB entrar no mercado e concorrer com os bancos americanos, que estavam em situação fragilizada? Em vista disso, eles seguraram a nossa licença. O que, aliás, era bem compreensível naquelas circunstâncias.

AU: Quando foi a retomada do projeto?
LA: Apesar desse contratempo, não deixamos o projeto de lado. Em abril de 2010, aconteceu uma coisa muito importante. Nós obtivemos do Federal Reserve uma certificação de Financial Holding Company, que é uma espécie de reconhecimento do governo americano para certas instituições que são bem administradas, bem capitalizadas e oriundas de um país onde há uma fiscalização monetária eficaz. Com isso, ganhamos uma espécie de selo de qualidade bancária, trazendo mais velocidade para o nosso projeto, porque a certificação permitiu que nos movimentássemos sem a necessidade de aguardar autorizações para agir.

AU: A crise então deixou de ser um problema?
LA: Um detalhe importante é que por essa época o preço das instituições bancárias havia caído muito, em consequência da crise. Por conta disso, decidimos que em vez de começar do zero poderíamos adquirir um banco já instalado. Os bancos estavam tão baratos que essa foi a opção mais prática. Depois de analisar cerca de trinta bancos em potencial, compramos o Eurobank em janeiro de 2012, que tinha três agências na Flórida: Coral Gables, Pompano Beach e Boca Raton. Optamos por esse banco em grande parte por causa da Flórida, que é um estado com grande e crescente concentração de brasileiros, com características bem diversas há turistas, gente de alto poder aquisitivo e também uma imensa comunidade propriamente dita. O tamanho do banco não importava, porque o que queríamos mesmo era a licença para operar. O Eurobank era um banco problemático, precisava de saneamento, e por isso mesmo saiu barato. Pagamos por ele seis milhões de dólares. Nesse momento, eu deixei a gerência regional do BB em Nova York e assumi a presidência do Banco do Brasil Americas, e hoje sou totalmente dedicado a ele.

AU: Estava aberto o caminho para o Banco do Brasil Americas.
LA: Depois de saneado, recebemos o sinal verde para operar. Além dos seis milhões pagos na compra do Eurobank, o Banco do Brasil trouxe para cá $49 milhões em capital, a fim de dar solidez ao banco desde o começo. Além do saneamento do banco propriamente dito, reformulamos toda a sua plataforma tecnológica, contratando empresas especializadas que já prestavam serviços para centenas de bancos americanos. A partir daí, começamos a desenhar um novo banco. Em setembro de 2012, lançamos o nosso cartão de crédto, e em outubro a nossa marca. O banco deixou definitivamente de ser Eurobank para tornar-se o Banco do Brasil Americas, e aí sim, começamos a oferecer para a comunidade brasileira todos os produtos e serviços de um banco americano como qualquer outro.

AU: E qual a diferença fundamental entre o BB Americas e o Banco do Brasil que já estava instalado aqui?
LA: Hoje, o Banco do Brasil Americas é um banco americano, que tem três agências na Flórida. Está sujeito à regulamentação americana, mas obviamente é uma entidade do conglomerado do Banco do Brasil, que tem outras representações nos Estados Unidos, como as agências de Miami e Nova York. Hoje, há duas instituições do Banco do Brasil nos Estados Unidos: o Banco do Brasil, cuja sede é em White Plains (NY), e o Banco do Brasil Americas, cuja sede é em Coral Gables, na Flórida. O Banco do Brasil e o Banco do Brasil Americas são duas coisas diferentes.

AU: Qual o objetivo desta estratégia?
LA: Essa operação toda é muito importante para o Banco do Brasil. Talvez seja o primeiro movimento efetivo do banco direcionado à comunidade brasileira no Exterior. A operação que temos no Japão, por exemplo, foi montada para atender aos descendentes de japoneses que mandavam recursos para o Brasil, muito mais voltada para a questão das remessas. No nosso caso, é a primeira vez que montamos um banco local para atender à comunidade brasileira, e outras comunidades por extensão. Porque começamos com os brasileiros, mas não há dúvida de que existe também uma grande oportunidade de conquistar os outros latinos.

AU: Por que tornar-se cliente do BB Americas?
LA: Uma das grandes vantagens que nós vamos oferecer para os nossos clientes é que sempre vamos encontrar uma solução para os brasileiros. Por exemplo, no caso de cartões de crédito. Vamos seguir os padrões americanos de análise do crédito, mas também vamos ter a opção de considerar a condição financeira do cliente no Brasil para a decisão final na concessão do crédito. Vamos ao Brasil buscar informações adicionais para ajudar esse brasileiro. E até mesmo para o cliente que não possui nenhum histórico de crédito, ainda assim existe a opção do cartão de crédito segurado por depósito, que serve para começar um histórico de crédito. De uma forma ou de outra, sempre vamos ter uma solução para o cliente.

AU: Que facilidades o cliente já pode encontrar no BB Americas?
LA: Recentemente, lançamos o nosso sistema ‘mobile’ de acesso à conta por telefone celular. Fizemos convênios e hoje temos 40 mil pontos de ATM’s, onde o cliente pode sacar dinheiro, e outros 10 mil onde ele pode fazer depósitos. Já a partir de janeiro vamos lançar um recurso que tem se mostrado muito popular no sistema bancário americano, que é a possibilidade de fazer depósitos fotografando o cheque com o celular. Isso gera mais conveniência para o brasileiro. Em breve, vamos disponiblizar a abertura de contas online, e assim o cliente não vai mais precisar de uma agência para abrir a sua conta.

AU: Na prática, quais são as vantagens da interligação entre o Banco do Brasil e o Banco do Brasil Americas?
LA: Um grande diferencial é a possibilidade dos brasileiros enviarem dinheiro nos dois sentidos, tanto do Brasil para cá quanto daqui para lá, sem pagar tarifa. A parte de Brasil já está definida. Hoje, se um pai quiser mandar dinheiro lá do Brasil para um filho que estuda aqui, ele não vai pagar nada por isso. Basta ter uma conta no Banco do Brasil e outra conosco aqui no Banco do Brasil Americas, e elas nem precisam ser da mesma titularidade. Nos próximos dias, essa transação inclusive poderá ser feita pela internet. Um brasileiro que more aqui, por exemplo, poderá acessar sua conta lá no Brasil e fazer a transferência para a conta dele aqui no BB Americas, com taxa zero. A mesma coisa vai acontecer aqui. Já está decidido que os nossos clientes também vão poder mandar dinheiro para contas do Banco do Brasil, no Brasil, sem pagar tarifa. Taxa zero. Tudo pela internet. Porque quando você transfere esse dinheiro, em qualquer sentido, ele vai continuar no banco. Isso tudo deve estar disponível em um mês, e também não vai ser preciso que as contas tenham a mesma titularidade. Nosso cliente daqui vai poder mandar dinheiro para a conta de um parente no Brasil com taxa zero, desde que a conta do parente seja no Banco do Brasil, é claro. Uma outra facilidade, que deve ser implantada em dois ou três meses, vai ser a possibilidade do cliente que tem conta no Brasil retirar dinheiro nas nossas agências usando o cartão de lá, retirando dólares aqui para serem debitados em reais da conta dele no Brasil. Quando em junho ou julho inaugurarmos nossa agência em Orlando, todos aqueles brasileiros que vão lá fazer turismo e compras vão ter um banco ali na International Drive para retirar dinheiro direto das contas deles no Brasil.

AU: Os brasileiros que moram no Brasil também vão poder abrir uma conta no BB Americas?
LA: Uma coisa que os brasileiros que viajam para cá vão descobrir é que ter uma conta no BB Americas não é proibido e que vai ser vantajoso ter o nosso cartão de crédito, principalmente para os que viajam muito. Apesar de serem instituições distintas e o BB Americas ser um banco americano, ele é cem por cento do Banco do Brasil, e vai se aproveitar da estrutura e das informações que tem no Brasil, e vice-versa. No caso de um financiamento para um cliente no Brasil, por exemplo, o BB pode usar nossas informações sobre ele com sua autorização, é claro para chegar a uma decisão. É isso que se espera de um banco globalizado. Os brasileiros vão poder fazer uma poupança aqui, em dólar, para custear, por exemplo, o estudo dos filhos nos Estados Unidos. Com a poupança em dólar, acabam as variações por conta do câmbio. Mas ainda não é o momento dessa campanha junto aos brasileiros que estão no Brasil. A demanda pode ser tão grande que a gente pode perder o foco, que nesse momento está na comunidade brasileira nos EUA.

AU: Quantas contas já foram abertas?
LA: Dois meses depois do lançamento oficial do BB Americas, já abrimos cerca de quinhentas contas. Como não há depósito mínimo, é muito fácil abrir uma conta conosco. A nossa preocupação agora é ter um atendimento que fique bem próximo do cliente. Você não pode se colocar num pedestal, você tem que ir atrás do cliente, e nós queremos ir onde o brasileiro está, ficar ao lado dele, de uma maneira humilde e respeitosa, como nossa comunidade é.

AU: Qual o futuro do Banco do Brasil Americas? Quanto que ele espera crescer?
LA: O futuro do BB Americas parte de sua consolidação aqui na Flórida. É claro que nós vamos crescer. É claro que eu tenho um projeto para abrir mais quinze agências nos próximos cinco anos, já apresentado aos reguladores. Vamos abrir uma agência na Brickell `Miami`, em janeiro, e uma outra em Orlando, no mês de julho. Há um movimento orgânico de crescimento, mas ainda é uma operação pequena para o tamanho da comunidade e para o tamanho do Banco do Brasil. Com o crescimento orgânico e o estabelecimento de uma estrutura sólida na Flórida, partiremos para uma expansão em todo os EUA. A velocidade disso depende das oportunidades. Se surgirem boas oportunidades para adquirir mais bancos, o Banco do Brasil vai considerá-las. Nosso maior desafio será trazer as pessoas dos outros bancos para cá. Temos que descobrir como conquistar e cativar o cliente. No caso dos brasileiros, já levamos a vantagem de falar a mesma língua, ter as mesmas raízes, mas tenho que abraçar esse brasileiro e apresentar diferenciais para que ele venha efetivamente trabalhar conosco. A questão do atendimento é um desafio, precisamos fazer de tudo para que nosso atendimento seja o melhor possível, ao mesmo tempo que apresentamos diferenciais concretos, como por exemplo a transferência com taxa zero.

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