Música

Waguinho, o Jimi Hendrix do Cavaco

Provavelmente o leitor nunca ouviu falar no carioca Wagner Barreto Valentim, mas certamente conhece Waguinho do Cavaco. E quem já o viu no palco sabe o porque do nome artístico, afinal o músico e seu instrumento parecem que nasceram mesmo um para o outro. O AcheiUSA passou uma tarde com Waguinho para saber um pouco mais sobre o início de sua carreira, os planos para o futuro, seus projetos sociais e, principalmente, o mais recente trabalho o CD “Waguinho do Cavaco e Convidados”

Como foi a formação musical do Waguinho?
Tudo aconteceu quando eu tinha 15 anos e participei de um festival de música, onde estava o Jorginho do Império. Eram 120 concorrentes e eu fui classificado em quinto lugar. Eu gostava de música, já tocava um pouquinho de violão, mas foi aí que eu percebi que minha vocação seria a música, que o meu trabalho seria com música, pro resto da vida. Hoje eu sou multiinstrumentista, toco mais de vinte instrumentos. Mas a partir daquele momento passei a me dedicar mais, a estudar mais. Aí veio 1986 e a febre do pagode, quando Almir Guineto introduziu o banjo no samba, no Cacique de Ramos. O Fundo de Quintal foi o primeiro grupo de samba que fez fama no Brasil e que por felicidade são meus amigos -, fundado pelo falecido Neocir. Eu morava numa comunidade carente, na favela do Morro do Alemão, e o pessoal falou que estavam procurando alguém pra tocar o cavaquinho no grupo. Como todos tocavam percussão bem, eles falaram Waguinho, como você toca violão, vai ter que encarar, porque precisa de um cavaquinho no grupo. Na época eu trabalhava em Niterói, como office-boy no Diário Oficial, e a minha chefe era a mãe do (ator) Márcio Garcia, meu amigo até hoje. O Márcio me deu uma força, me levou no Faustão, na Angélica, fui ao Video Show, gravei com os Titãs, enfim, tive essa cobertura toda, fiquei bem conhecido. E então comecei a estudar mais sério o cavaquinho.

E com quem você estudou?
Estudei com o professor Bola Errada. Fiquei curioso com o nome, mas fui lá estudar com o cara. Na realidade, ele tocava muito o violão e tinha um conhecimento muito bom de teoria. E juntando o talento que Papai do Céu me deu com o conhecimento que o Bola me passou, eu descobri que o cavaquinho era o meu instrumento. Em quinze dias de estudo eu já tocava alguma coisa e dois meses depois já estava tocando com a saudosa Jovelina Pérola Negra. Toquei também com Almir Guineto, João Nogueira, sempre estudando.

E nessa época você ainda morava no Alemão?
Sim, morava ali em Ramos. Por razões financeiras tive que me mudar de uma comunidade pra outra, mas a minha raiz está toda no Alemão.

E a sua relação com escola de samba? Você falou do Jorginho do Império, mas você é de Ramos, e ali quem manda é a Imperatriz
É, eu sou cria da Imperatriz Leopoldinense, na rua Professor Lace. O patrono lá hoje, Luizinho Drummond, é meu amigo particular, o Capitão Guimarães também, todos me conhecem, sabem que eu estou aqui, defendendo a nossa bandeira do samba, e se orgulham muito disso, o que é muito legal pra minha carreira. Mas, voltando ao assunto, depois que eu despontei, toquei com vários baluartes do samba: Exporta Samba, Deita e Rola, Beth Carvalho Comecei a perceber que eu era um cavaquinista diferente, e procurei então o Wanderson Martins, grande cavaquinista, superconceituado e que grava com todo mundo, hoje em dia cavaquinista do Martinho da Vila. Foi quando eu comecei a me aprofundar mais no instrumento, a estudar mais e mais, porque sentia que precisava do estudo pra ser uma fera no cavaco, independente do meu talento. Eu me sinto bem tocando o cavaquinho porque toco por amor. Tem gente que toca só pelo lado profissional.

Pois é, e eu até pensei que o seu nome artístico Waguinho do Cavaco fosse só um jogada para diferenciar, mas agora vejo que a sua relação profunda com o instrumento é que te batizou mesmo
É, e na verdade quem começou a me chamar de Waguinho foi a mãe do Márcio Garcia, veja só

Então você se considera um instrumentista, mais que cantor ou compositor.
Sim, mas como o meu aprendizado foi todo no meio do samba, eu senti que eu poderia ter o meu lugar nesse mundo, porque a gente vê muita gente cantando por aí. E eu respeito todo mundo, mas vi que eu tinha chance, porque via meus amigos, como por exemplo o Dudu Nobre, que também é instrumentista e nunca foi cantor. É a mesma coisa, fomos criados juntos lá no Cacique de Ramos, na roda de Samba de Beto Sem Braço, Zeca Pagodinho O Zeca nem era conhecido, ele tocava cavaquinho com três cordas, porque sempre arrebentava uma corda `risos`. E hoje é o cara que está mandando no samba, junto com Martinho da Vila e o Dudu, que é praticamente afilhado dele, porque veio aí dessa safra do Beto Sem Braço, dos pagodes da Rua Nicarágua, que eu também frequento.

Você ainda mantém contato com essa turma, mesmo daqui?
Claro! O Dudu Nobre esteve sentado aí onde você está agora, outro dia, conversando comigo.

E continua o vínculo com a comunidade?
Muito forte, vou sempre lá no morro, na galera toda, dou um alô. Já toquei lá com crianças carentes, tenho um projeto social muito legal com crianças lá no Caju. Toco também no asilo dos idosos, faço muita caridade, bailes sem fins lucrativos, beneficentes Eu acho que é por aí. Mas, voltando ao assunto, foi aí que começou a aparecer o Waguinho do Cavaco nos palcos da cidade do Rio de Janeiro: Bola Preta, Roda Viva, Hotel Meridién, Othon Palace, Copacabana Palace, fazendo baile de Carnaval. Fui juntando toda essa experiência, meu conhecimento de escola de samba e deu nisso aí

E você tocava também em escola de samba?
Sim, mas percussão, repinique, caixa, surdo. Hoje eu monto uma escola de samba. Se você botar os componentes, mesmo sem saber tocar, eu ensino eles e monto uma escola de samba. Eu sei como é que se bota uma escola de samba na Marquês de Sapucaí.

Ser mestre de bateria é tranquilo pra você
Tranquilo, tranquilo. Até porque sou amigo de quase todos eles: mestre Mug, da Vila Isabel, mestre Odilon, que é o melhor mestre de bateria que existe, que era da Grande Rio. Ele dá aula até pra americano, os caras saem daqui pra aprender com ele lá.

E conseguem aprender?
Conseguem, porque o cara é bom. Quando o mestre é bom, o aluno aprende. Só quando o aluno é ruim mesmo, quando não tem aquele suíngue, que fica difícil. Mas hoje em dia tem americano tocando muito bem. Eu participo de uma escola de samba, chamada União da Ilha de Manhattan, em NY, com americanos e brasileiros, que toca todo o ano no Brazilian Day. O mestre é um carioca da Ilha do Governador, o Ivo Araújo, e foi um cara que deu a maior força pra mim aqui nos Estados Unidos.

Então vamos falar sobre Estados Unidos. Como é que você veio parar aqui?
Eu fui fazer um show no teatro João Caetano, no Rio, que reuniu 28 artistas convidados de uma cantora chamada Clarice Seabra. Eu estava lá tocando cavaquinho com o Exporta Samba, muito famoso, antigo. Durante a apresentação eu pedi pra fazer um solo de Brasileirinho, uma música conhecida mundialmente, que até a Daiane, a ginasta, já havia se apresentado com ela. E então uma empresária me viu tocando na quadra da Vila Isabel, com Simone e Martinho da Vila e entrou em contato, pedindo material para divulgação, porque ela tinha uma boa entrada em Nova York, no SOB’s., que aliás hoje são meus padrinhos lá, meus patrocinadores. Ela pediu o material e eu mandei a fita onde tocavam 27 artistas, cada cantado uma faixa, o famoso pau-de-sebo. Essa fita caiu na mão do Larry Gold, diretor musical do SOB’s, que quando viu a minha perfomance falou: Esse rapaz aqui eu gostei. Quem é ele?

Você tocando Brasileirinho
Tocando Brasileirinho. Com o cavaquinho nas costas e deitado no chão, no palco do João Caetano. O Larry disse: Esse é o meu artista, eu quero ele aqui. A empresária me trouxe pra cá e eu fiquei três meses em Nova York. Toquei no SOB’s, toquei no Café Wha, toquei em casa boa. Também me misturei com os americanos, o que é muito legal também, com hispânicos Fiquei três meses, mas voltei pro Brasil. Da segunda vez que vim, fiquei um ano aqui. Renovei meu visto de trabalho, um P1, que me permite ir e voltar o quando quiser, e sou apadrinhado pelo SOB’s.

E no cavaco, você ataca de centro (acompanhamento) e solo, não é? Você encara qualquer gênero no cavaco?
Encaro, de um jeito diferente, é claro. Choro, por exemplo, muita gente toca, mas com o cavaquinho nas costas é meio complicado

E aí já é meio Jimi Hendrix do cavaco
É, eu já fui muitas vezes chamado desse jeito Porque eu pensei: poxa, eu vou ser mais um fazendo a mesma coisa? Vou ter que tocar diferente. E inventei esse negócio de tocar nas costas e deitado no chão, que é o mais difícil, muito difícil.

Você lê música, Waguinho?
Não, não leio, até porque faltou tempo pra estudar. Mas acho que eu não sirvo muito pra tocar por partitura, porque me baseio muito no que está acontecendo na hora, na empolgação. Até o Almir Guineto um dia me disse Waguinho, você é um cara que não serve para tocar em estúdio, porque você toca com tanto amor no coração que não teria paciência de ler partitura.

E o CD, Waguinho?
O meu CD foi produzido pelo Milton Manhães, um cara que lançou Zeca Pagodinho, Fundo de Quintal, Jovelina Pérola Negra e outros bambas. Ele, Rildo Hora (que produz o Zeca) e Ivan Paulo são os mestres do estúdio hoje em dia. O Milton me viu tocando, porque ele fica caçando talentos na noite (foi assim que ele descobriu a Jovelina), e ele me propôs montar um repertório e gravar um CD. E falei pra ele: “Cara, eu sou instrumentista, não sou cantor. Mas ele me disse que eu tinha uma postura de palco legal, era comunicativo, carismático: “Vamos tentar, pode ser que dê certo. Isso me animou e eu falei com a minha empresária aqui, a Elaine, e resolvemos fazer o CD. Fizemos uns shows para angariar uma verba, conseguimos o patrocínio da Alexim, que me deu uma força

E você foi para o Brasil gravar.
E fui para o Brasil gravar. E gravei muita coisa por aqui, as bases, e mandei as músicas para ir adiantando. Quando eu cheguei lá, botei só a voz e o meu cavaquinho.

E quem é que toca no CD?
Carlinhos Sete Cordas, que toca com a Beth Carvalho, o Milton Manhães fez algumas percussões junto com o Julinho Santos, que é o diretor musical do Arlindo Cruz, o Neném Chama, que é o produtor musical de gente como Gustavo Lins

E como é que estão as vendas?
O CD vai bem para um independente, já vendi mais de mil e duzentas cópias. Aqui na América também, tem pra vender ali na Via Brasil, do meu amigo Joe Menezes, que está dando uma força Mês que vem a gente começa a anunciar o CD na TV e nos jornais. E também tem no aeroporto, no Rio. Mas você sabe que agora, com a internet, a venda de CDs deu uma caída. As gravadoras estão tendo que se segurar, mas assim mesmo eu me sinto um vitorioso, vendendo mais de mil e duzentos CDs.

Você já disponibilizou as músicas para serem baixadas pela internet?
Já, já. E o pessoal está baixando legal. Na primeira semana que ficou disponível, mais de oitenta pessoas já tinham baixado uma das faixas do CD.

E que música foi a campeã?
Foram A Volta e Festa de Patrão, que é do Neném Chama e do Charles André, que também é artista e gravou um DVD legal e fez também os arranjos. Enfim, o CD está muito legal, tem a participação do Grupo Raça, do americano Sean Fury, que canta muito e é apaixonado pelo Brasil, além de ser meu amigo. Ele já foi inclusive nas comunidades do Morro do Alemão.

E foi só você chamar que o pessoal veio dar aquela força.
No amor, cara, vieram no amor e não me cobraram nada. Eu só paguei estúdio e dei uma gasolinazinha para os músicos, aquele capilé, só pro gelol `risos`. Eu gravei no estúdio do Méier, onde já gravaram Jorge Aragão e muita gente boa. Eu gravei com qualidade, com músicos de qualidade e foi feito com amor.

E a crítica com relação ao CD. Já saiu alguma coisa na mídia especializada no Brasil?
Na verdade, é o seguinte: eu estive na gravadora EMI-Odeon e consegui uma coisa inédita. Hoje em dia quando você leva um trabalho na gravadora, o produtor só se dá o trabalho de ouvir uma ou duas músicas. Bicho, o cara escutou todas as faixas, e ainda falou pra mim: “Waguinho, só não te contrato agora porque a gravadora está mandando muita gente embora, e no momento não é bom pra contratar ninguém. Mas não descartou. Aqui na América eu estou concorrendo a três prêmios, de melhor cantor, melhor CD e melhor intrumentista. O CD está acontecendo, já fui convidado pra fazer o Jô Soares, o Faustão já mostrou a capa do CD no programa dele, através do Jota.

E por sinal tem uma faixa no CD dedicada a ele…
Com o Jota foi o seguinte. Eu vim me encontrar aqui no Boteco com uma amiga do Brasil. Tinha um quarteto tocando samba e os caras me convidaram para uma canja. O Jota estava sambando, sempre com aquela alegria total, e me pediu pra cantar um samba do Salgueiro. E eu mandei `canta`: Explode, coração; Na maior felicidade Ele gostou de mim, me deu até 20 dólares de gorjeta e disse: Queria que você fizesse um samba pra mim. Eu sou o Jota. E eu respondi: Muito prazer, eu sou o Waguinho. E ele: Você não entendeu eu sou o JOTA! O JOTA da Globo. Pois eu sou o DÁBLIU! O Waguinho do Rio de Janeiro!, respondi. Ele explicou e disse que podia me ajudar, me deu o livro dele e pediu para eu fazer um saba pra ele. Depois disso toda semana ele me perguntava sobre o samba. E eu dizia que não era assim fácil, que a coisa depende de inspiração e coisa e tal. Então, um mês depois, numa noite eu fiz o samba do Jota, em vinte minutos. Eu já fiz samba-enredo, fiz o samba do Chiquinho da Mangueira, que era o presidente do Maracanã. Samba campeão, que foi pra avenida. Depois fiz o samba do Rio Grande do Norte, um samba fantástico. O pessoal de lá até queria que eu gravasse um CD, mas com essa correria de estar aqui, no Rio, na Europa, não sobra tempo. Mas acabei fazendo o samba do Jota e quando foi no sábado, dia de pagode aqui, mostrei o samba pro Jota `canta o Samba do Jota`.

Tem um quê de samba-enredo, não é?
Eu misturei. Misturei samba de quadra e samba-enredo. É legal pra caramba o Samba do Jota. E muito querido também, a galera gosta, porque é a pegada Rio de Janeiro. Detalhe: foi gravado como se você tivesse na Marquês de Sapucaí primeira, segunda, terceira, caixa, tamborim, repinique, tudo que um samba merece.

E a marcação de surdo é de que escola?
Misturei também. Eu sou cria da Imperatriz, não tem como fugir da minha escola, mas gosto muito da Mangueira também, que quando dá uma no surdo, os tamborins desenham legal.

E a Mangueira só dá uma mesmo
Se der duas você sai da bateria, irmão `risos`. O Jamelão escutava legal: Ô! Esse pretinho aí deu duas, tira ele da bateria! Está atrapalhando! Eu sou Imperatriz doente, sou cria do Morro do Alemão, eu vi aquela quadra quando não tinha nem muro, quando Luizinho Drummond era anotador! Mas eu fiz uma mistura: surdo da Mangueira, corte da Imperatriz, caixas do Salgueiro Eu sou um artista, Jorge, que pode pegar qualquer criança e dar uma aula, fazer um workshop. Como se monta uma bateria, como se toca, porque se toca a primeira agora, a terceira E os mestres das baterias lá no Rio sabem que eu estou aqui defendendo o samba. Eu ganhei de presente a bateria da Imperatriz pra tocar aqui na América, no dia que eu quiser. Presente do Luzinho, que me disse isso pessoalmente.

Como é que você classifica o seu CD?
É um mistura, também. Botei uns pagodes, regravei Joel Teixeira, e o CD tem a identidade do meu cavaquinho, porque o meu cavaquinho é diferente. Pode perceber: você escuta um cavaquinho centrado, mas ao mesmo tempo eu faço muitas variações dentro da harmonia. Tem também o Charles André no banjo, todo mundo fera. E ficou legal, o CD está com a minha cara: Waguinho do Cavaco e convidados. O Grupo Raça está lá, e é um grupo que inclusive eu trouxe para América, fizemos três Brazilian Day e oito shows por aqui. Eles gravaram comigo um pot-pourri do falecido Joel Teixeira.

E a convivência do funk com o samba?
O funkeiro gosta de samba. Só não pode tocar só o samba e esquecer o funk deles. Já o forrozeiro geralmente não gosta de samba. Mas eu acho importante juntar as forças. Porque hoje em dia você só faz sucesso se for ao Faustão ou for contratado por uma gravadora. A verdade é essa. Entrou numa gravadora, pode ficar deitado em casa esperando o disco tocar lá no Acre. Agora tudo mudou, com esse negócio de internet. A banda Calypso, do Chimbinha e da menina que canta, começou tocando em rádio de poste. Hoje em dia faz show na Suíça

Eu acho que você conseguiu um diferencial no que você faz. Porque tem muita gente boa por aí, e quem quiser fazer sucesso tem que encontrar um diferencial.
Sim, mas tudo é oportunidade. Às vezes, podem ter dez Romários, mas se não têm oportunidade, eles não vão aparecer. É igual o futebol. O meu diferencial é o meu jeito de tocar, meus convidados. A relação entre os artistas é importante.

O samba tem essa coisa de reunir as pessoas, uma camaradagem de compadres, não é?
Tem, tem E na verdade a galera era tudo sem dinheiro. E ninguém pensava em dinheiro, pensava em tomar um cerveja, jogar futebol e tocar um pagode no Cacique de Ramos. Depois é que o negócio foi galgando etapas e crescendo. Hoje em dia você vê artista aí fazendo show por cem mil reais. O cachê do Zeca Pagodinho é de duzentos mil reais. Mas o Dudu Nobre esteve aqui comigo e lembrou do carro velho que ele tinha, que a gente empurrava na porta do João Caetano.

Ainda tem aquele pagode de fundo de quintal, só pelo prazer de tocar?
Tem, mas não com as mesmas pessoas. Hoje, a Beth Carvalho quase não vai mais lá no Cacique, o Almir Guineto está morando em São Paulo. Tem uma galera que toca lá, para manter a coisa, e agora o Cacique vai virar Patrimônio Nacional. E lá não se fala em dinheiro, sentou na mesa tem que tocar, tem que tocar de graça. Se falar em dinheiro, eles botam pra correr, qualquer um. Mas, voltando ao meu CD, é uma produção do Milton Manhães, com arranjos do Charles André, ex-vocalista dos Morenos, que eu já trouxe quatro vezes para cá. Tem o Julinho Santos, violonista do Arlindo Cruz, Neném Chama, Luciano Broa, que toca com o Leandro Sapucaí, só gente boa. Os caras foram no amor, só dei uma passageira para cada um, paguei mais foi pelo estúdio, mas consegui também um preço maneiro, porque o dono é meu amigo.

E o seu envolvimento social, Fala dos seus projetos nessa área.
Eu tenho um projeto no Alemão e tenho um projeto no Caju. Meu projeto é mostrar para as crianças que eu já fui uma criança igual a elas, mas tive oportunidade, a agarrei com toda a minha força, e consegui chegar onde eu cheguei. E que elas também podem chegar. Como? Tem que dar essa oportunidade pra elas, botando aula de música, aula de internet. E todos os artistas querem me ajudar fazendo show aqui na América, hoje sou amigo do Gilberto Gil, que vai dar o apoio. Estamos buscando vários patrocinadores no Rio para ajudarem, eu não estou sozinho nisso, é muita gente envolvida. Quando eu toco para as crianças lá no Caju elas sentam no chão e batem palma pra mim, é a coisa mais linda. Porque a mídia geralmente só mostra o aspecto negativo do morro, mas não mostra a criança que sai da favela para o sucesso. O Adriano, por exemplo o Imperador. Ele saiu lá do morro, o nome dele lá é Didico. Aqui é o Adriano Imperador, mas lá é Didico `risos`, e não tinha vaga nem no nosso time lá da pelada! Hoje chega lá na comunidade de chinelo de dedo, dá cesta básica, fica no morro com a galera, igual à gente. Se você vai numa comunidade hoje, toda criança quer ser jogador de futebol. Porque é dinheiro, é o poder Mas tem que botar na cabeça das crianças que antes disso tem que estudar, ele tem que aprender a navegar na internet, tem que pro colégio, respeitar o pai, a mãe, senão não vai ter nada.

E o Carnaval, Waguinho?
Eu acho que eu sou o sambista mais feliz do mundo, porque toquei sexta aqui em Miami, sábado em Boston e dia 14 estava na Sapucaí, assistindo os desfiles, só para relaxar

Waguinho, você diz que é flamenguista, mas outro dia eu te vi com camisa do Giants Afinal, é Flamengo ou é Giants?
`Risos` Flamengo, é claro. É que eu gosto de camisa de clube, me amarro em usar, mas agora eu estou mudando o visual, porque as coisas estão ficando diferentes, outras coisas estão aparecendo, e a Elaine `empresária` acha que eu tenho que dar um trato melhor no visual. Mas eu joguei no Vasco da Gama, joguei bola! Joguei com Mário Tilico, Marajó, na época de Roberto Dinamite, Gaúcho, Mazaroppi O Gaúcho, inclusive, vem aí para um futebol que eu estou armando para maio. Vai ser em Connecticut, e vêm vários jogadores veteranos da Seleção. Estão confirmados Ronaldão, Edmundo, Júnior Baiano, uma galera boa. Futebol, samba e pagode, tudo a ver.

Rio, Nova York e Miami. O que é bom e o que é ruim nessas três cidades paa você?
Ah, o Rio de Janeiro é tudo, né? Mas eu gostei muito daqui, de Miami. Já Nova York é São Paulo: correria, business, dinheiro, tempo é dinheiro… Miami é Rio de Janeiro com dinheiro no bolso. Eu adoro! Mas não troco o Rio por nada. Já fui na Europa, toquei no Festival de Montreux, na Suíça, toquei no festival da França

Por falar em São Paulo, conta aí da Valda, que virou faixa do teu CD.A Valda?
A trabalhava num hotel que eu fiquei em São Paulo. A Valda fazia um suco de manga pro pessoal tomar de manhã. Eu estava em SP para participar de um programa de TV. Aí perguntei pra Valda onde ficava a TV, mas ela não sabia me dar informação nenhuma. E a rodoviária?

Ela também não sabia. Aeroporto?
Muito menos. Aí eu pensei: essa Valda não sabe nada, mas faz um suco de manga, malandro, que vou te contar E fiz uma música pra ela: Valda não sabia/Os programas de televisão/Valda não sabia/Aonde pegava avião/Perdido em São Paulo, fiquei preocupado/ Que vou fazer?/Valda só acertou/ No suco de manga/Para o Waguinho beber! … e por aí vai… Realmente, todo mundo gosta dessa música.

Tem músico bom por aqui, Waguinho?
Tem, tem gente boa por aí. E o professor Antônio Adolfo `da Antonio Adolfo School of Music` tá botando a galera pra tocar, não é? Eu não tenho muita intimidade com ele, mas acompanho o trabalho dele pelo jornal. Ele me viu tocando, gostou, o Chico Moura nos apresentou. Muito importante para mim foram as amizades que eu fiz por aqui.

Você quer ficar por aqui?
Não, quero ir e voltar sempre.

Mas suponhamos que você fizesse um grande sucesso nacional que te deixasse milionário e que você pudesse escolher. Onde seria?
Ah, eu ia me estabelecer no Rio. Eu acho que onde está a sua raiz você não pode deixar de valorizar, seja ela qual for. Sabe, eu nunca vou deixar de ir no Morro do Alemão, nas outras favelas, falar com a rapaziada, tocar em presídio, fazer o que eu sempre fiz. Você não pode deixar nada subir à sua cabeça, senão o espelho quebra. Tudo é a humildade. O que eu preciso agora é entrar na grande mídia no Brasil, para colocar mais um tijolinho na casa. Existem propostas de fazer o Jô Soares, o Faustão… Eu tenho certeza de que quando eu conseguir mostrar o meu trabalho nesse nível eu não vou fazer feio.

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