Jorge Nunes

Aeroporto 2016

A situação do Brasil hoje me lembra uma passagem de Aeroporto, best-seller de Arthur Hailey do final dos anos 1960, que depois virou filme e fez sucesso nas telas de cinema.

Num dos clímaxes do livro (Hailey colocou vários no enredo), a tripulação de um avião cruzando o céu entre Chicago e Roma fica sabendo que há um passageiro com uma bomba escondida dentro da maleta que ele levava sobre os joelhos. (No milênio passado ainda não era comum terroristas usarem aviões como arma de extermínio, e a segurança era muito menos rigorosa que hoje, permitindo que alguém embarcasse carregando praticamente qualquer coisa, inclusive bombas).

Vernon Demerest, comandante do voo, elabora então um plano para tirar a maleta de D. O. Guerrero, o passageiro suspeito, sem que ele tivesse tempo para detonar a bomba. Gwen, uma das aeromoças, combina uma cena com Ada Quonsett, passageira idosa que viajava sentada na poltrona ao lado de Guerrero. Gwen fingiria agredir violentamente Mrs. Quonsett, que tinha entrado clandestinamente no avião. (No milênio passado não havia o rigor tecnológico de hoje nos check-ins, permitindo que teoricamente qualquer um embarcasse nos voos, inclusive clandestinos). Desesperada, a velha fingiria pedir ajuda a Guerrero, agarrando-se ao pescoço dele em súplica. No momento em que ele erguesse as mãos para livrar-se de Quonsett, Gwen pegaria a maleta e a entregaria ao comandante, que esperava a hora de entrar em cena escondido atrás daquela cortininha que separa as classes do avião.

A farsa foi perfeita e terminou como previsto. As duas armaram um tremendo escândalo e na confusão Gwen conseguiu tirar a maleta de Guerrero. O comandante Demerest apareceu no corredor, pronto para receber a maleta das mãos de Gwen e salvar o avião.

O que não estava prevista era a interferência de um outro personagem no plano. Sentado na poltrona da mesma fileira, mas do outro lado do corredor, um passageiro, do qual não me lembro o nome, não só ficou indignado com a agressão gratuita e exagerada à velhinha como também se revoltou com o ultraje daquela apropriação indébita do patrimônio alheio, no caso a maleta de um aparentemente pacato e comportado cidadão de bem. Decidido, o passageiro, julgando-se no seu dever de cidadão de bem que também era, arranca a maleta das mãos de Gwen antes que ela conseguisse entregá-la ao comandante Demerest e a retorna orgulhoso para o atônito D. O. Guerrero. Sentindo-se descoberto, Guerrero corre e tranca-se com a maleta no banheiro da traseira do avião.

O que acontece em seguida, só lendo o livro. Só posso adiantar que o mais apavorado de todos no avião depois que tudo foi descoberto ficou sendo o passageiro cidadão de bem que devolveu a bomba para Guerrero.

Boa parte dos brasileiros hoje, julgando-se no seu dever de cidadãos de bem, estão na verdade entregando a bomba na mão do bandido sem saberem. O apoio à aceitação do processo de impeachment da presidente Dilma pode na verdade representar a bomba que vai derrubar a nossa democracia. Dilma foi eleita com a maioria dos votos válidos e sobre ela não pesa nenhuma acusação formal. Sobre o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que aceitou o pedido de impeachment, pesam, entretanto, diversas acusações, além de uma condenação por um tribunal suíço, por tentativa de interferir na Justiça do país alpino, onde ele comprovadamente tem os milhões de dólares que sempre negou possuir. Conceder a Cunha o poder e a prerrogativa de iniciar um processo de impeachment para a presidente é o mesmo que entregar de volta a bomba ao bandido, em vez de desarmá-la para salvar o avião.

Quando esse avião começar a cair, os primeiros a rezar serão os que sem saber ajudaram a devolver a bomba para o bandido depois que ele já havia sido desarmado.

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