Histórico

“Fui vendida à Alemanha como escrava sexual”, diz brasileira

Sem orgulho na entonação, a pernambucana Elaine* recorda: “Fui a primeira mulher a ser registrada em Pernambuco como “vendida”.

A data: 2 de agosto de 1998. Em apenas quinze dias -“que pareceram quinze anos”, ela cruzou três fronteiras na Europa.

Em entrevista à BBC Brasil, a brasileira só se deu conta de que era vítima do tráfico internacional de pessoas – um negócio que fatura mais de US$ 32 bilhões por ano, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT) – após desembarcar na Suíça.

No trajeto feito de carro até a Alemanha, foi obrigada a manter relações sexuais com seu comprador, um senhor italiano que dizia ser seu “dono”.

“Era uma época em que eu estava muito bonita”, ela relata. “Ele dizia: ‘molto bella, molto bella'”.

“Bíblia na mão”

Dias antes, Elaine havia sido convencida por uma mulher de sua própria comunidade a se casar com um homem italiano que procurava uma esposa.

“Fui para passar três meses, para conhecê-lo. A senhora que me convenceu a ir era de idade, de cabelos brancos e Bíblia debaixo do braço. Nunca ia imaginar que era uma aliciadora”, conta.

Elaine foi colocada dentro de um quarto trancado por fora e de janelas vedadas. Comia alface e água mineral com gás e nunca mais viu seu passaporte e o pouco dinheiro que levou consigo.

“Até umas moedinhas de real eles (o casal que lhe ‘vendeu’) levaram.”

Ela diz que foi “oferecida” a clientes alemães e turcos, além de ser obrigada a manter relações sexuais com seu “marido” italiano.

“Me obrigavam a sorrir para aparecer feliz nas fotografias. Uma vez me levaram a um parque na França para tirar fotos. Mas andavam sempre com alguma arma, ou pelo menos uma chave de fenda enorme, que até brilhava de tão grande.”

“Para sobreviver, me fiz de burra, de desentendida.”

Um dia, durante uma briga do casal que a traficou, Elaine fugiu com a roupa do corpo e sem olhar para trás. Escondia-se sob as árvores quando escutava barulho de carro.

Conseguiu chegar à estação de trem, de onde os policiais de plantão telefonaram para um tradutor do consulado brasileiro.

Mais magra, foi levada ao hospital e diagnosticada com hepatite. Não chegou a estar ilegal no país, porque sua estada demorou apenas quinze dias.

“Pareceram quinze anos”, ela diz.

Impunidade

Como outras vítimas do tráfico internacional de pessoas, Elaine voltou ao Brasil e não teve dinheiro para comparecer à audiência quando as autoridades alemãs lhe enviaram uma carta solicitando sua presença no país. “Ficou por isso mesmo”, ela se conforma.

Mas se revolta quando pensa em sua aliciadora, que como há nove anos, continua indo e vindo, impune, do Brasil à Europa.

“Cada vez que volta, ela leva duas ou três meninas”, afirma.

“Isso é um trauma na minha vida. Fui tão corajosa de fugir, e é tão revoltante ver um traficante à solta, fazendo o que sempre fez. Ela (minha aliciadora) está ficando rica, comprando carros, casa…”

Elaine diz que recebe ameaças de morte, e que tem de “estar sempre me mudando, para não correr risco”.

Seu endereço é conhecido apenas pelas autoridades que a assistem. Sua identidade, como neste depoimento, é freqüentemente mantida sob sigilo.

Elaine dá palestras para jovens em comunidades carentes que estão prestes a abraçar o mesmo caminho.

“As meninas me agradecem, às vezes, já estão até de passagem comprada.”

“Não desistir. Essa é minha luta.”

*Nome fictício

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