Histórico

SAÚDE: Por que a forma de nascer é importante

Por: Adriana Tanese Nogueira

Os Aztecas, alguns séculos atrás, antes da invasão espanhola no que hoje se chama México, costumavam pegar seus bebês assim que saiam do ventre materno e mergulhá-los em água gelada. Se sobreviviam queria dizer que estava aptos à vida na Terra, se não tchau. Um povo guerreiro tinha que testar seus membros desde o primeiro minuto de vida. Era uma questão de continuidade de sua civilização. Seu objetivo era ter cidadãos fortes e resistentes, de modo que agiam coerentemente com suas expectativas e necessidades sociais.
Nossa sensibilidade moderna nos proíbe sequer demorar sobre um pensamento desses. Os Azteca nos parecem bárbaros e brutos. Vejamos então como é um nascimento hoje.

Uma mulher está grávida, se por opção ou não não faz diferença. E aqui já começa um pequeno problema. As mulheres aztecas provavelmente não tinham muita escolha e talvez nem cogitavam ter outras ocupações fora a casa, a família e as redondezas. Mas suas irmãs modernas sim. Portanto, para uma mulher hoje engravidar sem querer é um fardo que pode ser absorvido em sua vida, dependendo do parceiro, da família, das condições econômicas, de seu momento profissional, ou pode permanecer uma cruz que ela deverá carregar. Um pouco de psicologia já é suficiente para saber que uma maternidade assim começada não é um bom sinal. Se é verdade que os bebês são gostosinhos e encantadores, é também real a drástica mudança e o sacrifício radical que eles demandam, às mulheres, sobretudo (e, às vezes, unicamente).

A gravidez então prossegue. A mulher começa um pré-natal – particular ou público. Encontra um médico obstetra ou uma parteira (no Brasil são as enfermeiras obstetras, pouquíssimas atendem de fato partos, apesar de serem formadas para isso). Os meses transcorrem aparentemente tranquilos (numa gravidez de baixo risco, ou seja em 90% dos casos), mas na verdade muitas das dúvidas e medos e curiosidades da mulher não foram esclarecidas porque uma vez posto o pé no consultório médico bate aquela insegurança que nos faz sentir tão sem graça se indagarmos, perguntarmos, duvidarmos. Então ficamos quietas; afinal, eles “sabem”.

O parto se aproxima e a nossa ansiedade cresce. Recorremos a amigas, parentes, vizinhas. Novelas e filmes nos confirmam as imagens inquietantes que já adquirimos. Parto dói. E o desconhecido dói mais ainda. Quando ousamos avançar alguma pergunta ao médico ele dá respostas vagas: vamos ver na hora do parto com vai ser; não se preocupe, tem a anestesia; esses medos são normais, mas vai ver que vai dar tudo certo; deixe comigo, tenho uma prática de 30 anos… e etc. Ela sai do consultório de mãos vazias e na mesma.
Quando chegam as primeiras dores, pega de surpresa, corre para o hospital. É posta numa cadeira de rodas (quando até o dia anterior o mercado e seu patrão exigiam que ela trabalhasse porque “gravidez não é doença”). Seu marido fica preso na entrada preeenchendo papeis enquanto ela é levada para um quarto, onde, após ter sido despida de todo e qualquer objeto pessoal (que a identifica como Maria, Sandra ou Marcela) é posta numa cama, enfiado um “soro” (ocitocina sintética) em sua veia e amarrada uma cinta em volta de sua barriga (monitor fetal). E deixada lá.

As dores vão se intensificar cada vez mais, ela vai se assustar. Não entende. Nem seu corpo entende esse bater insistente das contrações rápidas que não deixam tempo para pegar fôlego. De vez em quando entra uma enfermeira, controla o gotejar do soro, dá umas mexidas, faz um toque para conferir a dilatação, observa o gráfico exibido num monitor ao lado, dá uma olhada na mulher para conferir se respira e vai embora.

A dor se torna insuportável. Os quadris e as costas doem (deitada de costas é a pior e mais dolorosa posição para dar à luz), a barriga fica dura, parece que vai explodir, a cama é insuportavelmente desconfortável, mas ela está lá amarrada. E só. Começa a gritar. Na sua cabeça voltam as imagens de novelas e os relatos mórbido de conhecidas: sim o parto é insuportável. Quero a anestesia!
A porta se abre, entra gente com cara assustada. Agitação em volta. Anestesista chegando. Ela senta, preparam suas costas, a agulha entre em sua espinha dorsal e ela…. relaxa…. Maravilha. A dor passou. Já não sente mais nada. Na verdade não sente mais o parto, assim como o resto de seu corpo da cintura para baixo.

É levada para a sala parto, que é uma sala cirúrgica. Quando chega a hora do expulsivo, ela semireclinada não consegue fazer força, já não sabe mais onde fica a parte de baixo de seu corpo. Um gentil senhor profissional de saúde então se aproxima e usando seu antebraço como um rolo amassa sua barriga, do estômago para o pubis (Manobra de Kristeller). O bumbum apoiado na cama em relação com o osso sacro produzem uma leve subida de modo que o bebê para sair deve primeiro subir (só para complicar-lhe a vida) e o corte (episiotomia) é realizado, um corte diagonal profundo que pega o músculo do períneo.

Duas mãos enluvadas agarram a cabeça do bebê e o passam para outro par de mãos enluvadas que o apoiam sobre uma mesa. O ar condicionado está gelado, o bebê saiu de uma temperatura de pelo menos 35 graus, no escuro e no aconchego seguro do ventre de sua mãe. Seu corpo esteve escorado pelo dela por meses. Agora está “ao ar livre”, no frio, sem apoios, solto. Chora, porque está com medo, sente desconforto e ansiedade. Os profissionais de saúde olham e enxergam um bebê vivo e que está bem. Ele é mostrado à mãe, enrolado em anônimos panos verde porque está frio. Nada de quentinho contato pele-a-pele. É levado para o berçário e lá fica por um tempo interminável. Ele chora. Ninguém atende. Se atendem lhe é dada uma chuquinha de glicósio para que se acalme. Finalmente dorme, exausto e só. Nada de peito, de cheiro da mãe, de calor da mãe, de olhos da mãe.

Ele já teve sorte porque até poucos anos atrás, as mãos que primeiro o agarravam também o soltavam pelo ar segurado pelos tornozelos e sua coluna até então enroladinha se esticava repentinamente provocando um choque que o fazia chorar. O médico ficava satisfeito, o bebê estava vivo. Se feliz também não sei.

(Continua na próxima edição)

Compartilhar Post:

Baixe nosso aplicativo