Histórico

Brasileiro ex-presidiário muda de vida e hoje investe em Miami

Paraense, que cumpriu pena no Carandiru, tem 13 imóveis localizados na Flórida

DA REDAÇÃO COM FOLHA DE S. PAULO

Brasileiro ex-presidiário muda de vida e hoje investe em MiamiA história dele é digna de roteiro de cinema, daquelas com virada improvável, que poucos imaginariam. Mas é realidade. O paraense Sila da Conceição, de 63 anos, saiu de casa ainda criança e, aos 19, conheceu o mundo do crime, virando batedor de carteiras em Belém. Mais tarde, preso em São Paulo, cumpriu pena no presídio do Carandiru (local que, em 1992, foi palco de um sangrento massacre cometido pela Polícia Militar daquele Estado).

Após conquistar a liberdade, Conceição mudou radicalmente de vida. Hoje, é dono de uma frota de táxis com operações em Belém e em Manaus. Além disso, virou empresário de atuação internacional: tem empresa em Miami, que gerencia à distância e com a qual investe em imóveis da Flórida. Seu próximo passo, diz ele, é se mudar, junto com a esposa, para os Estados Unidos.

O ex-detento que virou empresário sabe que sua vida tem uma trajetória incomum e resolveu lançar “Danem-se os Normais” (editora Casa da Palavra), livro em que detalha como abandonou a marginalidade no Brasil para entrar pela porta da frente no mercado imobiliário norte-americano.

Leia o depoimento de Conceição concedido ao jornal Folha de S. Paulo.

Eu não sou normal. Entre 19 e 29 anos eu vivia de bater carteira. Nessa época eu tinha uma conta em banco chamada “habeas corpus”, que usava para me livrar da prisão quando era pego. Aí pensei: “Se com essa determinação, com essa disciplina, eu começar a trabalhar sério, só vai dar eu”.

Sou um cara que não sabe nem ler nem escrever, mas tenho 13 imóveis na Flórida e uma frota de cem táxis em Belém e Manaus. E mais 50 em Fortaleza que um filho cuida.

Eu roubava carteira desde os 19 anos em Belém do Pará. Tinha saído de casa aos sete anos, morei na rua, embaixo de viaduto e no mercado Ver-o-Peso. Aos 14 comecei a sair com prostitutas.

Tinha gente que matava, um monte de coisa, mas eu só batia carteira. Vim para São Paulo para ganhar respeito, virar referência, mas acabei preso. Fui duas vezes para o presídio do Carandiru.

Nessa época tinha muita superlotação. Cabiam 7.000 pessoas e tinham 10 mil. Foi aí que decidi deixar o crime.

Peguei minhas coisas, reuni alguns dos meus filhos e voltei para Belém. Eu tenho nove filhos, o mais novo tem 36 anos e hoje estão todos bem. Eu fiz muita burrada quando era mais novo, tive muitas mulheres, mas hoje estou casado.

Eu também levei minha mãe de volta para Belém, ela sempre me acompanhou. Quando roubei pela primeira vez, levei para ela o dinheiro, porque queria tirar ela daquela situação.

Fico muito emocionado quando falo da minha mãe, ela morreu há seis meses, que Deus a tenha.

Tudo o que fiz foi para ajudá-la: entrar no crime, sair do crime, largar as drogas. Eu usei tudo. Até crack. Só consegui parar em 2000. Estou há 14 anos limpo.

Quando voltei para Belém, em 1979, trabalhei em um mercado de peixe e juntei dinheiro para comprar um Fusca. Virei taxista. E coloquei na minha cabeça: vou ter uma frota de dez carros. Consegui. Depois, queria ter 50. Aí pulei para 100. Muita gente da polícia e da Justiça acreditava que eu não ia ser um trabalhador honesto, sempre seria um ladrão. Eu sempre digo: tudo que o homem quer, o homem consegue.

Meu sonho agora é ganhar a cidadania americana e morar em Miami. Estou investindo lá por isso. Compro, reformo e alugo os imóveis. Eu sou como um cão farejador e sinto as oportunidades.

Dentro do crime eu aprendi muita coisa. Eu trouxe a experiência de sofrimento e a visão aguçada.

Quando você coloca a mão no bolso de alguém para roubá-lo, você não olha para ele. Você vê as pessoas em volta, para ver se pode, se ninguém está vendo. É um sentido a mais que eu tenho.

Também aprendi na prisão a conviver com o ser humano, bom ou ruim. O ser humano é a mola do mundo.

Tem humano nos Estados Unidos, em Belém, em São Paulo e na prisão. É esse o segredo do meu trabalho, eu vejo o ser humano, leio a mente dele.

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