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Bush tenta livrar EUA de culpa por violência no Iraque

O presidente americano, George W. Bush, anuncia nesta quarta-feira sua nova estratégia para os Estados Unidos lidarem com o conflito no Iraque. No novo plano, os EUA impõe metas ao governo iraquiano liderado pelo premiê Nouri al Maliki e prevê mudanças na ação americana no país.

Entre as propostas, estão o envio de 20 mil soldados extras ao país `que deve enfrentar a resistência do Congresso, hoje liderado pelos democratas`, maior participação dos sunitas no cenário político iraquiano e a transferência do controle da segurança das 18 Províncias para as forças iraquianas –atualmente o Iraque controla apenas três.

Na opinião de Peter Harling, especialista em Oriente Médio do International Crisis Group `ONG especializada em conflitos internacionais`, que concedeu entrevista à Folha Online, por e-mail, de Damasco, a nova estratégia é uma maneira de “colocar a culpa pela violência no governo iraquiano”, e uma última tentativa de Bush de salvar “qualquer coisa que ainda possa ser salva no Iraque”.

Segundo ele, o novo plano –conseqüência da derrota republicana nas urnas– “fará pouco” para resolver os problemas que os EUA “criaram para si mesmos ao invadirem o Iraque”.

Para o especialista, os EUA não obterão sucesso no Iraque enquanto não levarem em conta os múltiplos fatores envolvidos no conflito.

Leia a seguir íntegra da entrevista concedida à Folha Online:

Folha Online – Em sua opinião, qual a intenção e a motivação por trás desta nova estratégia? A proposta para mudanças na política americana no Iraque pode ser vista como conseqüência da derrota republicana nas eleições legislativas para o Congresso americano?

Peter Harling – Sim. Foi necessária uma imensa derrota eleitoral, devido à deterioração da situação no Iraque, para que a atual administração considerasse uma mudança significativa em sua estratégia no país. De forma geral, a política no Iraque sempre foi direcionada por questões da política interna americana. Mesmo as mudanças que são discutidas atualmente estão bem mais ligadas à agenda dos EUA, particularmente ao cronograma das eleições presidenciais de 2008, que aos próprios fatos ocorridos em território iraquiano. O Grupo de Estudos para o Iraque sugeriu um cronograma que está de acordo com esta agenda.

Folha Online – Essa mudança de estratégia pode ser vista também como uma maneira de tirar o foco da responsabilidade do conflito dos EUA e colocá-lo no governo iraquiano? E essas possíveis mudanças podem ser encaradas como uma “última cartada” de Bush para sair melhor da situação `o comando do conflito no Iraque` que o tornou cada vez mais impopular entre os americanos?

Harling – Ambas as interpretações estão corretas. É uma maneira de colocar a culpa da violência no Iraque –produto da estratégia dos EUA no país no passado– no governo iraquiano, e também uma última tentativa de salvar qualquer coisa que ainda possa ser salva no Iraque. Mas a responsabilidade também está ligada a questões domésticas. Parece claro que o caos no Iraque prejudica a região e ameaça os interesses dos EUA. Esta última tentativa seria uma boa maneira de “trazer os garotos `soldados` de volta para casa” a curto prazo, mas fará pouco para resolver os problemas que os EUA criaram para si mesmos ao invadir o Iraque.

Folha Online – Na nova estratégia, o presidente Bush deve propor o envio de 20 mil soldados adicionais ao Iraque. Como o sr. avalia esta medida? Quais as possibilidades de o Congresso americano aprová-la?

Harling – O envio de mais soldados pode ser útil para conter de certa forma a violência sectária em Bagdá, se essa for a missão das novas tropas. Mas isso não mudará a dinâmica em curso no país se os EUA não colocarem o foco na dimensão política do conflito, promovendo um processo genuíno de reconciliação de todos os atores envolvidos na violência. O problema é que a administração americana continua a ver o governo iraquiano como um aliado na “guerra contra o terror” e um parceiro no combate a “extremistas”. No entanto, a distinção entre os “mocinhos” e os “bandidos” está agora totalmente misturada, com o governo iraquiano e as forças de segurança tão envolvidas na violência quanto a insurgência. Então, qual será a missão dos 20 mil soldados extras? Eles não derrotarão a insurgência sunita, apenas alienarão o governo e alimentarão as milícias xiitas.

Folha Online – Em sua opinião, enviar mais soldados é a melhor solução neste momento? Como fica a discussão em torno da retirada das tropas?

Peter Harling – Assim como foi dito no nosso mais recente relatório, o International Crisis Group defende a solução da “retirada negociada” das tropas, o que significa que a questão deve levar em conta todos os elementos em questão –desde os grupos insurgentes até os países vizinhos como o Irã e a Síria– já que o grupo pretende promover o consenso entre os diferentes fatores regionais no Iraque.

Folha Online – A nova proposta de Bush deve permitir maior participação sunita no cenário político iraquiano, com as eleições provinciais. Isso pode diminuir a violência sectária?

Harling – É um passo positivo, mas insuficiente por si só, já que não deve implicar mudanças de grandes proporções na estrutura de poder estabelecida após a invasão de 2003. Isso só poderia ser alcançado por meio da negociação entre os diferentes grupos envolvidos. No entanto, os EUA parecem interessados apenas em fortalecer o governo iraquiano e destruir a insurgência.

Folha Online – Muito vem sendo dito a respeito da falta de controle da violência sectária e das ações rebeldes, mas pouco se comenta sobre a ausência de controle sobre a administração iraquiana. Um artigo publicado nesta semana pelo “New York Times” denuncia que fundos que deveriam ser usados em obras públicas em áreas sunitas não foram utilizados com este propósito pelo governo xiita. Que medidas devem ser tomadas para aumentar o controle sobre o governo iraquiano?

Harling – O governo iraquiano é cúmplice de discriminações econômicas sofridas pelos sunitas e ao menos complacente com as ações dos esquadrões da morte xiitas. A administração nada fez para resolver a questão das milícias, que operam livremente por Bagdá, apesar de todos os postos de controle, patrulhas e aparatos de segurança. É por isso que não acreditamos ser possível a formação de um “governo de união nacional” que represente o povo iraquiano, como é dito no relatório de Baker-Hamilton `elaborado por uma comissão bipartidária responsável por oferecer sugestões para a Casa Branca sobre a Guerra do Iraque. A comissão é liderada pelo ex-secretário de Estado republicano James A. Baker e pelo ex-legislador democrata Lee Hamilton`. Infelizmente, não vemos outra solução que não uma conferência na qual todos os partidos possam emitir opinião. Todos os fatores devem ser levados em conta, inclusive as milícias, a insurgência, os membros do antigo Baath `partido de Saddam Hussein` e o cronograma para a retirada das tropas dos EUA.

Folha Online – Em sua opinião, no caso de os EUA serem capazes de levar estabilidade ao Iraque e de retirar suas tropas com tranqüilidade daquele país, quando isso seria possível?

Harling – Não há resposta imediata para os múltiplos desafios que os EUA enfrentam no Iraque. Se não houver uma rápida mudança de estratégia, poderá acontecer uma conflagração regional.

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