Histórico

Claudio Pereira: ‘Fui vítima do sistema’

O corretor de imóveis brasileiro pagou um preço caro por ter colaborado com as investigações

Depois de oito meses de pesadelo, finalmente Claudio Pereira pode respirar aliviado. Ele está em liberdade, após ter ficado preso na cadeia de Pompano Beach, sob acusação de racketeering. “É uma acusação muito vaga que permite enquadrar o acusado num amplo leque de crimes”, queixou-se o corretor de imóveis brasileiro.

Ele falou com exclusividade ao AcheiUSA sobre os motivos que o levaram à prisão e como ele se tornou vítima do sistema, que precisava de um culpado para justificar sua falta de fiscalização adequada sobre os processos de financiamentos imobiliários, que se tornaram uma febre na época do boom imobiliário. E, como a maioria dos implicados havia retornado para o Brasil, sobrou para ele ter de assumir a culpa por algo que alguns profissionais da área faziam normalmente.

Para facilitar o entendimento, deixemos o próprio Pereira contar como foi que se enredou nesta trama que o levou para um local ao qual ele nunca pertenceu. Isto, porém, não abalou suas convicções. “A pessoa é o que ela é independente do local em que se encontra” é seu lema. Por isto, apesar do aspecto negativo, ele admitiu ter passado por uma experiência enriquecedora em termos pessoais.

Mas voltemos a 2005. Naquele ano, ele e um sócio montaram a BR Mortgage, uma empresa de correspondent lender. Traduzindo, uma companhia que intermediava os financiamentos recolhendo a documentação do comprador e encaminhando-os para o banco responsável pela liberação da verba correspondente ao financiamento. A companhia esteve bem ativa durante os ‘anos de ouro’ do mercado imobiliário dos EUA e particularmente da Flórida, mas fechou em 2007 por um desacordo entre os sócios.

No final de 2009 e início de 2010, ele recebeu a visita de investigadores de polícia do estado que queriam informações sobre cinco empréstimos realizados em 2006. “Eles pediram os processos dos compradores e mostrei toda a documentação”, explicou Pereira. Na verdade, nada havia de anormal com aqueles empréstimos, segundo ele. Os compradores adquiriram os imóveis em 2006, pagaram durante um período entre um ano e meio e dois anos e depois deixaram de honrar os pagamentos e as hipotecas dos imóveis (foreclosure) foram executadas, como ocorreu com grande parte dos imóveis nos EUA.

Vítima de acusação improcedente

Como não havia nada a temer, Pereira continuou a colaborar com as investigações sobre os processos que teriam lesado os bancos em $450,000. Vale ressaltar que os bancos receberam durante um período dos então compradores e depois recuperaram os imóveis para serem revendidos no mercado.

Para surpresa dele, no dia 21 de abril do ano passado, ele recebeu um telefonema para comparecer ao seu escritório. Ao chegar ao local, foi algemado e preso sob acusação de racketeering. E os policiais entraram no seu escritório de maneira bruta, ameaçando até mesmo uma de suas funcionárias.

A acusação que o levou à prisão foi feita por um de seus ex-funcionários ao afirmar que sua companhia fazia o que se chama de duplo financiamento, ou seja, solicita dois financiamentos para a mesma pessoa em dois bancos diferentes. “Isto é uma inverdade. Nós nunca fizemos este tipo de coisa”, garantiu Pereira.

Com base neste depoimento infundado, foi enquadrado dentro da acusação de racketeering. Conforme explicou Pereira, este tipo de crime implica que seu autor auferiu benefícios financeiros. “Obviamente, cobrava uma comissão pelos negócios fechados e também pagava comissões àqueles que participavam das operações. Mostrei a eles os comprovantes de pagamento das comissões, mas eles nem levaram isto em consideração”, comentou o mortgage broker.

Na opinião dele, as autoridades precisavam punir alguém por causa daquelas operações e, como todos os outros voltaram para o Brasil por temerem ser pegos, ele acabou sendo declarado culpado. De nada adiantou comprovar com documentos que as operações haviam sido feitas de boa fé, porque as autoridades preferem confiar no depoimento em vez dos documentos. “Meu advogado falou que é assim que funciona. A palavra vale mais do que o papel. Eles partem do princípio que a declaração foi dada sob juramento”.

Experiência decepcionante

Por falar em advogado, Pereira disse ter ficado frustrado com a falta de profissionalismo de alguns advogados que atendem à comunidade brasileira. “Um deles foi contatado e somente apareceu depois de duas semanas para me ver na prisão. Estipulou um valor, me assustou sobre a situação e depois desapareceu. O outro foi lá três vezes e me disse para ficar tranquilo porque as autoridades não haviam constituído nenhuma acusação formal contra mim. Portanto, passados 50 dias, caso eles não tivessem um processo, meu caso seria invalidado”, narrou.

Para surpresa dele, porém, diante do juiz, o promotor público declarou que o advogado Fulano de Tal lhe dissera que não era seu representante legal porque eles não haviam chegado a um acordo financeiro. “Isto era mentira. Aí, a juíza remarcou outra data e perdi mais 40 dias aguardando o julgamento. Neste interim, contratei Ralph Hagen (o atual advogado de Pereira) para me defender”, disse o entrevistado.

Só então, quatro meses depois, ele soube quais eram as acusações que pesavam contra ele. Seu advogado acreditou em sua inocência, mas sugeriu que ele assumisse ser culpado para sair mais rápido da prisão. Para isto, usou um argumento irrefutável: “Você quer ser um inocente preso ou un culpado solto”.

Agora, ele considera a possibilidade de entrar com um pedido na Corte de Justiça para que seu indiciamento passe para a esfera civil e saia da criminal. “Sempre foi um caso civil, tanto que pagava o seguro de error of omission, justamente para cobrir qualquer irregularidade. Tanto isto é verdade que eu retive as minhas licenças profissionais”, argumentou.

Vida na prisão

Oito meses na prisão podem servir para desestabilizar as pesoas mais fracas. Mas não quem tem uma personalidade definida e valores sólidos, como é o caso de Claudio Pereira. E o sistema é montado para desestruturar o indivíduo. O café da manhã é servido às três horas da madrugada, o almoço entre 11 e 11h30 da manhã e o jantar entre 4h30 e 5h30 da manhã. E o total de calorias consumidas pelos detidos não passa de duas mil calorias. “Além disto, por causa destes horários, as pessoas ficam cansadas e dormem o tempo todo”, revelou o entrevistado.

Por isto, “apesar de ter pago uma dívida que não era minha, tenho a consciência tranquila”, garante Pereira. Católico praticante, usou seu tempo no presídio para ministrar cursos bíblicos aos outros detidos, esclarecendo as dúvidas deles sobre passagens e versículos da Bíblia. Além disto, ajudava alguns presos que não falavam inglês.

O que mais entristeceu Claudio Pereira durante este período foi a constatação de ver muitos jovens drogados presos pelo porte de drogas. Os mais velhos eram detidos com porte de cocaína e maconha e os mais jovens viciados em pílulas, que representam um tipo de cocaína sintética.

Agora, depois de ter sido posto em liberdade no final do ano passado, Claudio Pereira está refazendo sua vida. “Minha intenção é voltar a trabalhar no ramo imobiliário com minha empresa Home Alliance Realty e reconstruir minha vida. Tenho recebido ajuda de alguns amigos e estou pronto para outra, com consciência tranquila. Afinal, tenho minha licença válida e voltarei com tudo ao mercado”, garantiu Pererira.
Retornar ao Brasil? “Não, nem pensar. Minha vida está toda aqui e este episódio, embora desagradável, já foi superado”, completou.

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