O maior mutirão científico já realizado para a busca de genes relacionados a doenças anunciou ontem ter identificado de uma vez só 24 variações de DNA que expõem seus portadores a um risco maior de ter sete doenças diferentes. Reunindo mais de 200 cientistas, o trabalho envolveu análises de DNA em 17 mil pessoas durante dois anos no Reino Unido.
Como as doenças escolhidas para o estudo não são tipicamente hereditárias, as variantes dos genes apontados pelos cientistas não são diretamente culpáveis pelas enfermidades.
Segundo os cientistas, porém, esse é o começo do trabalho que, ao final, permitirá apontar com mais precisão qual é a combinação entre genética e estilo de vida que determina um risco maior para diabetes, atrite reumatóide ou até males psiquiátricos como o distúrbio bipolar.
“Muitas das doenças mais comuns são muito complexas -parte “natureza” e parte “criação’- com genes interagindo com nossos ambientes e estilos de vida”, disse Peter Donnelly, da Universidade de Oxford, cientista que liderou o consórcio de pesquisa.
“Ao identificar os genes por trás desses problemas, nosso estudo deve permitir aos cientistas a entender melhor como essas doenças ocorrem e quais pessoas estão sob risco maior.”
Basicamente, o que permitiu a realização do estudo, idealizado pela fundação Wellcome Trust, foi o barateamento da tecnologia para testes genômicos abrangentes. A ferramenta usada pelos cientistas foi um novo “chip de DNA”, capaz de testar 500 mil pontos diferentes do genoma de uma pessoa.
Cada um desses pontos está associado a uma “letra” do código genético que pode variar entre os indivíduos. (A maior parte do DNA é igual em humanos.)
A tecnologia não é nova, mas só agora, que ela está mais barata, é possível usá-la em grande escala. “Há poucos anos se considerava um otimismo desmesurado achar que seria possível estudar mil variantes genéticas em um grupo de mil pessoas”, afirmou Mark Walport, diretor do Wellcome Trust.
Se, por um lado, o resultado do estudo foi um avanço, por outro, serviu para mostrar o quanto ainda há por fazer. Ligar variações genéticas ao risco de desenvolver uma doença não é o mesmo que descobrir o mecanismo do problema. Será preciso acumular um bocado de informações até que elas possam fornecer explicações para os males estudados.
“A gente não tem a menor noção de o que a maioria desses genes está fazendo”, disse à Folha o geneticista brasileiro Marcelo Nóbrega, da Universidade de Chicago, que já estudava um dos genes de diabetes identificados pelo estudo. Metade das variações identificadas pelo estudo já haviam sido apontadas por outros estudos.
Nóbrega já trabalhava havia algum tempo o TCF7L2, um dos genes relacionados ao diabetes tipo 2 apontados pelo consórcio do Wellcome Trust. “Sabe-se que esse gene é expresso `ativado` no intestino e que mutações ao redor dele causam câncer de cólon, mas continuamos sem saber o que esse gene tem a ver com metabolismo de glicose e como ele pode levar ao diabetes”, diz.
Segundo o pesquisador, porém, o barateamento da tecnologia de chips de DNA deve levar a um acúmulo de informação que deverá ser útil clinicamente. “Vai ter gene para tudo agora”, diz. “No caso de algumas doenças, isso pode levar à possibilidade de prever se uma pessoa está sob risco aumentado -pode ser desde um risco discreto a um risco bem significativo.”