Histórico

Indústria de boatos faz a festa na comunidade

Brasileiros do sul da Flórida evitam até sair de casa por causa de suposta operação contra indocumentados

A redação do AcheiUSA foi ‘bombardeada’ esta semana, especialmente na terça e na quarta-feira, com telefonemas e e-mails, que tinham por objetivo buscar esclarecimentos em relação a boatos sobre possíveis operações da polícia de imigração americana no sul da Flórida. Em uma das mensagens, a pessoa chegou a afirmar que o ICE (Immigration and Customs Enforcement) estava – com aparato que incluía ônibus, helicóptero e dezenas de agentes – em um mall brasileiro na região buscando um indocumentado brasileiro que havia atirado num policial de Broward.

A notícia gerou um certo pânico na comunidade. “Eu fiquei com medo de sair de casa”, confessou a goiana Maria Teles, que desistiu de fazer compras no supermercado. Do mesmo modo, Alexandre Marques, o caixa do restaurante do Brazilian Depot, em Deerfield Beach, reparou que o movimento da casa caiu naqueles dois dias em cerca de 20%. “As pessoas ligavam para saber se a polícia estava fazendo blitz em frente à loja e, apesar de falarmos que nada aconteceu, muita gente preferiu não se arriscar”, disse Alexandre. Outros estabelecimentos também reclamaram da frequência baixa.

Para conferir a veracidade dos boatos, a reportagem do AcheiUSA saiu às ruas e, por cerca de duas horas, tanto na terça quanto na quarta-feira, percorreu os principais pontos frequentados pela comunidade no sul da Flórida: esquinas da Sample/Military e Powerline/Hillsboro, malls do Feijão com Arroz (Sample Road) e do Brazilian Depot (10th St.) e Federal Highway. Nada foi encontrado, a não ser carros de polícia circulando pelas ruas nas rondas normais e uma viatura da Delegacia de Broward parada na esquina da Sample com a Terceira Avenida (em frente ao hospital), com um policial equipado com um radar para medir a velocidade dos veículos que iam no sentido norte.

De fato, a assessoria de comunicação do Broward Sheriff’s Office confirmou que não havia programado qualquer operação especial para estes dias, mas revelou que os agentes têm a recomendação de combater a direção agressiva no trânsito – só em dois dias esta semana, a corporação emitiu 279 multas no condado a motoristas que excederam o limite de velocidade, dirigiam sem cinto de segurança ou cometeram alguma infração. Com relação ao aparato dos agentes de imigração, tudo não passou de ‘sugestionamento’.

Em seus livros sobre o assunto, o psicólogo Nicholas DiFonzo, professor de uma universidade em New York, destaca que os rumores ganham credibilidade por meio da repetição e causam consequências devastadoras. “Os boatos são um fenômeno gerado por aqueles que estão em situações incertas ou duvidosas e buscam desesperadamente uma explicação”, diz o autor, que cita em suas obras o tal sugestionamento em várias oportunidades.

Ao contrário que muitos pensam, os boatos não servem apenas para desestabilizar um ambiente, mas podem expressar algo muito desejado ou positivo. Especialistas acreditam que as fofocas são disseminadas de forma mais rápida e precisa do que informações verdadeiras enviadas pelos canais oficiais. E se este fenômeno é bastante claro em grupos pequenos, o que dizer da distorção de um comentário no âmbito de milhões de pessoas – como na Internet ou através de mensagens de SMS, por exemplo.

O paraense Valdemar da Silva disse que na terça e quarta-feira recebeu dezenas de text messages de amigos falando sobre a ação do ICE no sul da Flórida. “Nós da igreja combinamos de trocar informações sempre que houver alguma movimentação das autoridades”, conta o jovem, da Catedral de Milagres, em Deerfield Beach. Para ele, essa rede ajuda os brasileiros sem carteira de motorista a evitarem a circulação por locais de risco. Isabel Santos, que frequenta a Igreja Católica de Pompano Beach, revelou que faz parte de um grupo de oração que também costuma disseminar informações sobre a presença de operações policiais na região.

O presidente da Associação dos Pastores Evangélicos da Flórida, Carlos Patente, lembra que na reunião da entidade na terça-feira um dos colegas recebeu um recado pelo telefone dando conta da suposta blitz. “Sabemos que há um certo exagero da comunidade, devido à condição de insegurança fomentada nos últimos anos. Mas precisamos ter a prudência e a cautela de não propagar as notícias alarmantes”, resumiu Patente, ressaltando, porém, que considera natural que os brasileiros tentem ajudar uns aos outros, com responsabilidade.

“Não se pode negar que as pessoas gostam de boatos, especialmente nós, brasileiros. E ainda por cima costumamos aumentar a proporção dos fatos e isso, infelizmente, não há como mudar”, acredita o advogado Max Whitney, que em seu escritório recebeu telefonemas de clientes assustados esta semana. Ele lembra que as operações do ICE nas ruas ou locais de trabalho foram suspensas no atual governo Obama e toda a atividade da agência está baseada em denúncias de infratores da lei e não contra imigrantes indocumentados. O advogado ressaltou que o novo diretor do ICE, John Morton, inclusive, pediu mais poder para combater o tráfico de drogas, acabando com a prioridade de caça aos imigrantes para um segundo plano.

O conselho para a comunidade, então, é que devemos ser mais céticos e responsáveis. Não custa buscar mais de uma fonte de informação para verificar a verdade e, principalmente, repassar somente as notícias que têm fundamento. “A partir de agora vou avisar ao grupo para ter mais cuidado ao passar adiante alguma informação”, concluiu Isabel.

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