Histórico

Jeanette Bezerra – A Artista da Comunidade

Antonio Tozzi

Ela era o que se pode chamar de uma mulher que valorizava a vida, os amigos e sempre estava disposta a estender a mão para quem precisasse

Falar sobre Jeanette Bezerra é algo prazeroso e, ao mesmo tempo, doloroso. Prazeroso porque conviver com ela foi um privilégio. Doloroso porque ela já não mais está entre nós.

Falar sobre Jeanette Bezerra, no entanto, é bom, porque ela foi uma pessoa que partiu, mas deixou entre nós um sentimento de que na vida se é preciso viver intensamente cada segundo, cada momento para não se arrepender depois. Isto, aliás, é o que ela fazia.

E nada, nem ninguém a segurava. Mesmo doente, não perdia o gosto pela independência. Dividia-se entre a Flórida e Nova York. Fazia questão de caminhar, todos os dias, mesmo que fosse por pouco tempo…

Quando tinha de se internar, falava para os amigos que ia passar uns dias fora. Não gostava de ser visitada na clínica ou hospital, locais que não combinavam com sua alegria e alto astral. Preferia ficar só naqueles momentos. E detestava a expressão de piedade das pessoas, quando falava da doença. Por isso, falava do câncer como se estivesse com uma gripe, sem dar demasiada importância ao fato.

E o câncer sorrateiramente levou Jeanette Bezerra, atriz e promotora cultural brasileira, radicada nos Estados Unidos desde os anos 60, na noite de 10 de agosto de 2007. Pioneira dos carnavais brasileiros no exterior, com seu “Brazilian Follies”, Jeanette foi vítima deste câncer contra o qual lutava há anos e que, no fim, a levou aos 69 anos. Ela deixou viúvo Frank Moksel e Frank Jr., seu único filho. Ele, por sinal, estava ao lado da mãe e de uma enfermeira e, de acordo com o desejo dela, o corpo foi doado à Universidade de Miami para fins científicos. Como se vê, até na morte ela teve uma atitude altruísta, como sempre foi de seu feitio.

Vivendo a “vida loca”

Jeanette BezerraEm vez de se queixar da doença, ela enfrentava tudo com bravura e denotava, às vezes, um certo sentimento de autopunição. Era como se encarasse a doença como uma punição divina pela vida louca que teve. Não que se se arrependesse, mas admitia ter exagerado algumas vezes, até usando drogas nos “idos e loucos anos 70”.

Após ter se casado, recebia artistas e autoridades brasileiras em sua casa em Nova York. Ela gostava de frisar que, em sua casa, todos tinham de se vestir elegantemente para jantar, almoçar ou até mesmo para o breakfast. Era uma de suas extravagâncias. Cultivava o bom gosto, e sempre pensava nos outros. Muitas vezes fez doações e eventos para ajudar a Casa dos Artistas, no Brasil.

Apesar de estar sempre promovendo reuniões entre os membros da comunidade, guardava um certo ressentimento. Ela sentia que não havia, por parte da comunidade, o reconhecimento por quem ela era e por aquilo que ela fazia. Achava que as pessoas não lhe davam a importância devida. Nem todos, Jeanette, nem todos…

História de uma batalhadora da vida – Ela nasceu no interior de Pernambuco, e não teve o que se pode chamar de uma infância feliz. Dizia ter pai alcoólatra, que batia na mãe dela. Para poupar os filhos desta vida, a mãe doou os filhos para que fossem criados por outras pessoas. Ela deixou a casa dos pais muito pequena e só reencontrou o irmão, Francisco, depois de adulta.

Jeanette BezerraFoi para Recife, onde foi criada e fazia serviço de empregada doméstica. Contou ter sido maltratada e abusada, por isto fugiu desta casa e ficou perambulando pelo porto do Recife. Foi lá que conheceu uma mulher, que disse ser o anjo de sua vida, a qual a levou para o Rio de Janeiro, onde descobriu um mundo novo.

Lá, envolveu-se com uma turma que gostava da noite, e de paetês. Entrou para o teatro, onde participou da peça “Gente Bem Champanhota”, de Colé, um tremendo sucesso na época. Era a época de Virginia Lane, dos grandes espetáculos de teatro de revista.

Num concurso de beleza, ganhou uma passagem para estudar inglês nos EUA, por seis meses, na década de 60. Isto lhe abriu as portas para os EUA. Depois, voltou ao Brasil, mas resolveu viver fora do Brasil e retornar para os EUA, onde morou até sua morte.

Em Nova York viveu a época efervescente do Studio 54, onde conheceu o marido. Naquela época, criou o Brazilian Folies, que rodou vários países e esteve em quase todos os continentes com esse show. Algo raro para a época, mas quem disse que Jeanette Bezerra era uma mulher comum?

Carinho dos amigos

Os que tiveram o privilégio de a conhecer guardam doces lembranças de Jeanette Bezerra. Este é o caso de Maria Ravani, sua amiga de mais de 30 anos: “Ela foi um exemplo de mulher guerreira e vai deixar na nossa lembrança uma imagem de alegria e positividade. Jeanette foi uma batalhadora, e sempre colocou o Brasil em primeiro lugar em tudo que fez”.

Rose Max“Expressar com palavras o que passa por meu coração e minha mente ao falar de Jeanett Bezerra? Estive com ela dias antes de sua passagem. Só consigo lembrar dos olhinhos brilhantes, como um último rastro de vida latente, naquele nosso último encontro. Agradeço a Deus pela oportunidade de tê-la conhecido e ter podido desfrutar de momentos alegres, de sorrisos, gargalhadas, confidências, carinho e generosidade ao lado dela. Generosidade é palavra que mais me vem à cabeça ao lembrar dela. A vedete Jeanett, a amiga Jeanett, a “perua mãe” Jeanett. Das pernas bonitas, do sorriso fácil, das histórias picantes, da alegria constante. Seu desprendimento às coisas materiais fez com que doasse em vida seus orgãos e todo seu corpo para a faculdade de Medicina de Miami, para estudos. Não queria ninguém chorando por ela em volta de um caixão. Sabia que o corpo físico é “escafandro do espírito”. Agora é irmanar nosso pensamento e pedir a Deus que ela tenha o merecimento de ser acompanhada, neste momento de transição, por uma falange de espíritos amigos de amor e de luz, sob a proteção do Mestre Jesus. A carinha dela está no meu site há anos (na parte de fotos dos amigos) e estará nas minhas preces e no meu coração. De forma sincera. Para sempre…” Rose Max

Carlos Borges“Meu primeiro contato com Jeanette ocorreu antes de sua mudança para a Flórida, em 1991. Sabendo de sua trajetória, dos palcos da Cinelândia para o Carnaval do Waldorf Astoria e a Broadway, sabia que seu desembarque na Flórida significava notícia e a perspectiva de acontecimentos relevantes. Ficar amigo de Jeanette foi fácil e rápido. Simples, alegre e permanentemente interessada em promover os artistas brasileiros na América, nossa amizade se tornou lógica e natural desde o primeiro encontro. Bela e comunicativa, Jeanette se realizava no palco. Desejou, nos minutos finais, que fosse lembrada pela alegria e pela vida. Nada mais lógico. Por que onde quer que a luz de nossa vedete for, carregará consigo a alegria de viver, que foi a marca de sua passagem por esta vida. Viva Jeanette Bezerra” Carlos Borges

Maria Ravani“Conheci Jeanette em 1971, no baile de carnaval, black-tie, no Waldorf Astoria, em Nova York. Assim que a vi, percebi que era uma figura simpática, bonita, alto-astral e com um brilho e as pernas que só ela tinha. Nossa identificação foi imediata e ficamos amigas de verdade, tanto que muita gente dizia que nunca era possível encontrar uma sem a outra. Durante estes mais de 35 anos de convivência, ela se mostrou uma mulher incrível, com um amor enorme pelos amigos, pelo Brasil e pela sua arte. Não guardava rancor de forma alguma, nem daqueles que lhe faziam mal. Estava acima disso. Antes de nos deixar, mesmo sofrendo, jamais reclamou das dores e sempre se mantinha positiva em relação à vida. Sabendo que estava sendo vencida pela doença, disse que iria me levar no coração. E ela também vai estar no coração de toda a comunidade brasileira aqui nos Estados Unidos, como a nossa verdadeira estrela. Ela fará muita falta.” Maria Ravani

Vanuza Ramos“Imagino Jeanette chegando no outro plano de pau-de-arara. Porque a característica da artista, que mais me chamava a atenção, era o orgulho da sua nordestinidade. E a força em superar os empecilhos que fiquei facilmente fascinada com a garra da pernambucana, que desde cedo ultrapassou barreiras geográficas e culturais para demarcar seu espaço no mundo. Todas as conquistas dentro e fora do Brasil pareciam apenas o desfecho natural para a “bichinha arretada”(ela, às vezes, auto-referia-se assim). Eu sempre admirei a forma como ela falava, com orgulho, da infância pobre e da fome vivida nas calçadas de Recife, onde perambulava, quando criança, cantando e dançando. Depois viriam as plumas e paetês e o mundo se curvando às suas empreitadas culturais. Tudo parecia a premiação natural para uma guerreira incansável. Até por isso é difícil entender porque seu ato final foi roteirizado de forma tão dolosa. Gostaria de tê-la visto sair de cena sob milhares de aplausos, cantando e dançando, em cima de um pau-de-arara e pronta para levar sua folia para outros planos. Mas quis Deus que seu último ato fosse silente. A nós, basta apenas lamentar a partida inoportuna. Na minha memória, guardarei a imagem forte de Jeanette, lutando contra a doença traiçoeira e lamentando-se, apenas, de não ser mais reconhecida pela comunidade. Queria fazer uma biografia, sem censuras. Mas logo após começar as entrevistas, teve que se ausentar para mais umas das suas ‘pequenas viagens’ (se referia assim às internações). As últimas imagens que guardo dela são a da artista, já debilitada, que me recebia para alguma conversa ou entrevista, e fazia questão de cozinhar e caminhar pelos arredores do seu condomínio, demonstrando sua independência e vontade de viver. Porque viver sem limites era o seu maior compromisso na terra!” Vanuza Ramos

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