Histórico

Quem é vilão e quem é mocinho na novela da reforma imigratória?

Jorge M. Nunes

A novela da tão esperada reforma imigratória, que já se arrasta na política americana desde o presidente George W. Bush, quando ele não conseguiu apoio entre seus próprios correligionários para aprová-la no Congresso em 2007, continua despejando semanalmente novos capítulos na dura vida do imigrante indocumentado nos Estados Unidos, já um tanto esgotado de tanto esperar.

No ano passado, negociações no Senado, de maioria democrata, levaram à aprovação de um projeto de lei de reforma completa para a legislação imigratória no país, cujo maior benefício seria abrir o caminho da cidadania para os cerca de 11 milhões de pessoas que vivem nos Estados Unidos ilegalmente, obviamente depois de passarem por inúmeras qualificações, como pagamento de multas, impostos atrasados e ter ficha criminal limpa, aprender inglês, além de esperarem no mínimo cinco anos para a legalização definitiva.

O texto foi enviado à Câmara dos Deputados (House of Representatives), mas esbarrou na maioria republicana da Casa, que hesita mexer no vespeiro da imigração num importante ano eleitoral, no qual alimenta a pretensão de tirar a maioria democrata do Senado e ainda ampliar a própria na Câmara. O tema é extremamente sensível para as bases mais radicais conservadoras do partido, que consideram qualquer tipo de benefício desse tipo aos imigrantes como uma “anistia”, que acaba premiando os transgressores das leis existentes.

A lei aprovada no Senado não se resume à legalização de indocumentados. Ela prevê uma série de medidas para melhorar o controle nas fronteiras, identificar imigrantes criminosos, punir empresas que explorem o trabalho ilegal e promover um programa de vistos de trabalho temporário que se encaixe sem problemas nas necessidades de mão de obra em atividades tradicionalmente ocupadas por trabalhadores imigrantes.

Ainda assim, um dos argumentos mais veementes dos republicanos contra a reforma foi a falta de confiança que a base deposita no presidente Obama para fazer cumprir as leis vigentes e as que venham a ser aprovadas. Obama respondeu ao argumento provando que estava ali para aplicar a lei, e deu instruções ao Homeland Security para apertar o cerco contra os indocumentados. O resultado é que o cerco foi um pouco além do previsto, e acabou causando a deportação de quase 2 milhões de pessoas, entre elas familiares de americanos natos e pessoas cujo único erro foi dirigir sem uma carteira de motorista válida, entre outros delitos menores. Eleito com a força do voto latino, Obama de repente se viu acusado de traição por esse eleitorado, que votou com a esperança de que o presidente resolvesse o problema, mas que acabou vendo surgir no lugar uma verdadeira blitzen contra os indocumentados, transformando Obama no presidente que mais deportou imigrantes da história americana, um título deveras incômodo para quem se elegeu em parte à custa da promessa de ajudá-los. Em vez disso, promoveu uma verdadeira catástrofe na comunidade que o ajudou a mudar-se para a Casa Branca.

Sem conseguir aprovar uma lei de imigração e ao mesmo tempo refém do cumprimento da lei vigente para ter esperanças de que a Câmara republicana aprove a nova, Obama está preso num dilema que pode custar ao partido democrata os votos de que precisa em novembro, para pelo menos preservar a maioria que hoje tem no Senado. Os deputados republicanos assistem a tudo de camarote, enquanto as pesquisas mostram um panorama muito favorável para eles nas urnas de novembro. Empurram a questão com a barriga para o próximo Congresso, que se tiver a maioria republicana em ambas as casas engessará completamente os dois últimos anos de governo de Obama, enterrando possivelmente de vez a reforma.

Mas a novela ainda não acabou. Pressionado por praticamente todas as associações civis americanas favoráveis à reforma, como sindicatos, entidades religiosas, federações de indústria e comércio e, principalmente, pela sociedade civil, que expõe as injustiças cometidas contra familiares de americanos deportados por motivos banais, Obama determinou esta semana ao Homeland Security que revise a política de deportações do país, limitando a remoção aos imigrantes com maior grau de periculosidade, deixando em paz os com ligações mais profundas com os Estados Unidos e ficha limpa. O martelo ainda não está batido, os republicanos já rebateram a ameaça com o anúncio de que poderiam colocar um projeto próprio na pauta da Câmara neste verão, com medidas paliativas, mas não abrangentes. Com isso, ganham tempo para que o impasse continue, aumentando ainda mais o dano à política imigratória do governo Obama.

Obama tem um difícil dilema pela frente. Se tentar resolver o problema por conta própria, cumprindo assim uma promessa de campanha, através de uma ordem executiva, por exemplo, poderá comprometer seu prestígio junto aos eleitores mais moderados, que oscilam entre republicanos e democratas naquela zona indefinida onde há intercessão ideológica entre os dois partidos, e ainda ser acusado de exacerbar seus poderes além da vontade do Congresso americano numa questão extremamente delicada, que mexe com a própria identidade americana. Por outro lado, se não agir será lembrado pela história como o maior carrasco dos imigrantes indocumentados que este país já viu. Vida de presidente não é fácil.

Não percam os próximos capítulos.

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