Histórico

Entrevista: Sociólogo acredita que o aumento das comunidades de estrangeiros explica queda da criminalidade nos EUA

O americano Robert J. Sampson passou metade de seus 50 anos estudando a criminalidade nos Estados Unidos. Diretor do Departamento de Sociologia da Universidade Harvard, Sampson é hoje o mais importante defensor de uma recente teoria: quanto mais imigrantes, menos crimes. Para Sampson, comunidades onde a concentração de imigrantes é maior tendem a ser mais seguras que outras com características semelhantes com menos imigrantes. Na última década, o número de imigrantes nos EUA cresceu em 50%. Enquanto isso, em Nova York, a queda dos assassinatos foi de 74%. Sampson, que estuda a criminalidade americana há 25 anos, já publicou livros sobre o tema, entre eles e o polêmico ‘A Explicação do Crime: Cotexto, Mecanismos e Desenvolvimento’, de 2006.

Como os imigrantes afetaram a segurança dos Estados Unidos?
Robert J. Sampson
– Enquanto o fluxo de imigrantes aumentou, a criminalidade diminuiu no país. Pesquisas mostram que a primeira geração de imigrantes é menos propensa a se envolver com o crime que a segunda e a terceira gerações. Isso quer dizer que quem nasceu nos Estados Unidos tem maior probabilidade de praticar atos violentos. Outro fator interessante é que comunidades onde a concentração de imigrantes é maior tendem a ser mais seguras que outras que têm características semelhantes mas que abrigam menos imigrantes.

Então filhos ou netos de imigrantes que partem para o crime são influenciados pela cultura americana?
Sampson
– São. Apesar da redução da criminalidade nos últimos anos, os Estados Unidos são historicamente um país violento. A exposição à cultura americana, somada à falta de oportunidades de estudo e trabalho, favorece a prática do crime e o envolvimento com outros problemas como o abuso de álcool e drogas. A segunda geração de imigrantes, que já nasceu nos Estados Unidos, comete mais crimes que a primeira. E a terceira geração comete mais que a segunda. Esse padrão é um achado interessante porque mostra que o problema não está na imigração.

,b>Por que a segurança é maior nas comunidades onde há mais imigrantes?
Sampson – Os imigrantes demonstram manter mais laços sociais. Eles cuidam e dão suporte econômico uns aos outros. O incentivo para cometerem crimes também é menor, já que eles não querem ser deportados. As pessoas que vêm para os Estados Unidos em busca de melhores condições de vida e trabalho são exatamente aquelas que pensam no futuro, que têm esperança e são, portanto, menos propensas à violência. Várias comunidades pobres nos subúrbios do país foram revitalizadas e atraíram os imigrantes. Isso aconteceu em lugares como Chicago, Los Angeles e Nova York, e também contribuiu para a redução dos crimes.

Nem todos os crimes que ocorrem nesses locais são comunicados à polícia…
Sampson
– É verdade. Mas a subnotificação pode acontecer em qualquer comunidade, não apenas onde há imigrantes. E é mais provável em casos de delitos leves, e não de crimes graves. Em meus estudos, relacionei os dados de imigração aos números de homicídios, que são muito bem medidos nos Estados Unidos. A subnotificação também não pode explicar menores taxas de crimes nas comunidades onde há mais imigrantes porque pesquisas de vitimização confidenciais, que são baseadas em entrevistas nas casas das pessoas, e não nos registros policiais, também mostram esse padrão.

Os imigrantes cometem menos crimes que os americanos brancos e os afro-americanos?
Sampson
– A maior parte sim. Se compararmos, por exemplo, os imigrantes negros vindos do Caribe com os nativos, eles apresentam menores taxas de criminalidade. Esse padrão também é repetido em muitas cidades americanas onde a concentração de imigrantes poloneses e russos é grande.

Pesquisadores costumam associar a redução dos crimes em Nova York à adoção da tolerância zero…
Sampson
– Há algumas hipóteses para explicar o caso de Nova York. Uma delas é que nos anos 90 as taxas de encarceramento, tanto em Nova York como no resto dos Estados Unidos, aumentaram. Nessa mesma década, o país viveu um grande crescimento econômico. A terceira hipótese é a adoção de políticas de maior policiamento, a chamada teoria da janela quebrada (que enfatiza a punição a qualquer tipo de ofensa, por menor que seja – a tolerância zero). Outra razão é demográfica. Houve declínio do número de jovens, que são as pessoas que mais cometem crimes. A quinta explicação é o aumento da imigração. Ainda há pesquisadores que associam a queda dos crimes à legalização do aborto.

Não há consenso?
Sampson
– Não. Claro que mais policiais nas ruas podem reduzir o crime. Mas esse fator isolado não pode ser a única explicação, pois o recuo da violência foi registrado em várias cidades americanas no mesmo período. E também em outras partes do mundo.

Imigrantes podem fazer outros países mais seguros?
Sampson
– Há muita controvérsia sobre isso. Mas, se analisarmos outros países que abrigam muitos imigrantes, como a Grã-Bretanha e o Canadá, vamos notar que a criminalidade nesses locais também está em declínio. Países onde a imigração é histórica e que foram capazes de incorporar essas pessoas têm mostrado padrões similares de redução. Atualmente há um grande conflito e preocupação com relação à imigração em países como França e Holanda. Mas o que está claro nesses lugares é que o que cresceu em relação aos imigrantes foi a ansiedade, e não a participação deles nos crimes.

Por que muitas pessoas acham que o crescimento da imigração pode aumentar a criminalidade?
Sampson
– Esse estereótipo aparece nos filmes e na mídia há muito tempo. Por isso, é difícil que as pessoas acreditem no contrário. Pesquisas feitas nos Estados Unidos mostram que a desordem e o crime são mais percebidos em comunidades de imigrantes que em outros lugares, mesmo quando as taxas de criminalidade são semelhantes. Mas eu sou otimista. A cada dia que passa, os americanos estão aceitando melhor a diversidade.

Cidades que fazem fronteira com os Estados Unidos registram taxas mais altas de criminalidade?
Sampson
– Com algumas exceções, cidades de fronteira por onde milhares de imigrantes ilegais passam todos os dias e onde muitos deles vivem não são as que registram as maiores taxas de crimes violentos nos Estados Unidos.

Como os imigrantes brasileiros são vistos pelos americanos?
Sampson –
Nos últimos 15 anos, grande parte dos imigrantes veio da América Latina, principalmente do México. Assim como pessoas que vêm de outros países, os brasileiros são percebidos como pobres e mais propensos a ser ilegais e a roubar. Mas é importante notar que muitos americanos já enxergam os imigrantes como pessoas trabalhadoras, que contribuem com a economia e para a cultura dos Estados Unidos.

O crescimento da imigração é uma questão mundial?
Sampson –
É. A riqueza de cidades internacionais como Londres, Paris, Nova York ou São Francisco está na diversidade. E esse é o futuro de muitas cidades do mundo. Se há problemas com a imigração, eles têm de ser debatidos e resolvidos, pois a mobilidade entre países está crescendo cada vez mais.

Entrevista publicada originalmente na revista Época

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