Histórico

Governador Valadares, a América presente em cada canto de uma cidade brasileira – Parte II

Imigrantes relatam histórias de vida

Ana Paula Franco
Direto de Governador Valadares

O AcheiUSA resolveu mergulhar na história do fluxo migratório de brasileiros vindos de Minas Gerais, especialmente da região de Governador Valadares, e apresenta uma série de reportagens exclusivas sobre o assunto. A repórter Ana Paula Franco foi até a cidade conversar com moradores, especialistas e pessoas que viveram nos Estados Unidos para entender melhor a realidade desses emigrantes que fizeram o caminho de volta para o Brasil. Descobrimos como estão agora, como é o processo de readaptação e se eles querem voltar para a América. A série de três reportagens continua nesta segunda parte, contando as histórias das pessoas que retornaram do sonho americano. Algumas, do pesadelo.

Lena, Leôncio e as filhas Noelly e Amanda que nasceram nos EUA
Lena, Leôncio e as filhas Noelly e Amanda, que nasceram nos EUA

É praticamente impossível encontrar em Governador Valadares, cidade do leste de Minas Gerais distante 324 quilômetros da capital mineira, uma pessoa que não tenha um parente que vive ou já viveu nos Estados Unidos. Ao questionar as pessoas nas ruas, na universidade, no comércio e por toda parte, todo mundo conhece um valadarense que vive no exterior, sendo muitas vezes, seu pai, seu filho, marido, irmão, tios, primos. A cultura da emigração está entranhada em Valadares e nas cidades do entorno, mesmo que agora com menos força.

As histórias dos moradores mesclam quem voltou e não consegue readaptar-se à vida no Brasil, mas esbarram na dificuldade de conseguir o visto de entrada na Terra do Tio Sam, àquelas que não querem saber nunca mais de ir para os Estados Unidos nem para passear.

Esse é o caso de Maria Helena Borburema, conhecida como Lena, e de seu marido, Manoel Leôncio, que viveram 18 anos em Boca Raton, no sul da Flórida. O casal teve duas filhas nos EUA e as meninas já foram passear na Flórida onde ainda moram dois irmãos de Lena. O casal entrou no país de forma ilegal: ela com passaporte falsificado e ele pelo México.

Lena praticamente não trabalhou durante o tempo que viveu em Boca, seu marido trabalhava como “landscape” e conseguiu fazer o pé de meia. “Fiquei 18 anos lá trabalhando duro, juntei o dinheiro que queria e hoje nem penso em voltar, não quero nunca mais trabalhar daquele jeito. Dei sorte de vender minha casa antes da crise e voltamos em 2007”, relata Leôncio que hoje trabalha com fazenda e é proprietário de um posto de gasolina. Eles moram numa casa grande e confortável em Governador Valadares.

Mesmo caso da artesã Norma Soares. A filha dela mora em Massachusetts. Ela já morou oito anos nos Estados Unidos, mas hoje nem pensa em voltar. “Nunca é um lugar que não existe, mas voltar não é o meu desejo”, conta Norma, que morou em Coconut Creek, na Flórida, em New Jersey e em Massachusetts.”Fui numa época em que Valadares inteira estava lá e decidi ir. Trabalhei como faxineira e babysitter e retornei em 2007″, conta Norma que hoje vive do artesanato que vende na cidade. “Estou muito feliz aqui no Brasil”.

Sonho em voltar

Na via contrária de quem retornou à terra natal e nem pensa em se aventurar novamente pelos EUA, está Marcio Balbino da Silva, de 33 anos. Marcio voltou há pouco mais de um ano com a esposa porque a mãe estava doente. Ele relata que não passa um dia sequer sem se arrepender de ter retornado. “Eu vivo frustrado todos os dias. Ganhava muito bem lá como auxiliar de cozinha e hoje vivo com um salário mínimo. Eu e minha esposa ganhamos juntos dois salários mínimos. Viver com o mínimo aqui no Brasil é muito difícil”, diz. Marcio voltou porque a mãe teve um problema de saúde e ele é filho único.

Nem a lembrança de ter demorado 46 dias para atravessar a fronteira do México para entrar ilegalmente nos EUA e por tudo que passou faz Marcio desistir de voltar. “Não voltaria pela fronteira, tentaria o visto, mas minha esposa não quer. Então, o que me resta é aceitar a realidade. Eu me arrependo por não ter me qualificado melhor por lá e encontrar emprego bom por aqui. Sem qualificação é complicado”.

Valadólares

Os famosos “valadólares” não movimentam mais a economia da cidade como na década passada. Os dólares enviados pelos emigrantes mineiros aqueceram na década de 90 o mercado imobiliário, o comércio, a compra de fazendas, entre outros. Bairros inteiros foram construídos com o dinheiro de quem foi para os EUA com o objetivo de juntar dinheiro e voltar para o Brasil.

Depois da recessão americana, a economia passou a ser impulsionada pelas pessoas que foram “fazer a América” e foram obrigadas a retornar em função da crise de 2008. A crise americana trouxe cerca de cinco mil valadarenses de volta à cidade, segundo estimativa da prefeitura. De um lado, a crise minguou as remessas em dólares para Valadares. De outro, obrigou os emigrantes que retornaram a transformar o dinheiro que juntaram em empreendimentos para movimentar o comércio e a indústria do município.

Lena, Leôncio e as filhas Noelly e Amanda que nasceram nos EUA
O empresário João Augusto e sua irmã e sócia Cris

O empresário João Augusto de Araújo, hoje proprietário do bar “Los Hermanos” em sociedade com a irmã, é um exemplo de emigrante que trabalhava duro nos Estados Unidos como carpinteiro e, à medida que ganhava dinheiro, comprava imóveis no Brasil: lotes, apartamento na praia, fazenda, etc.. João Augusto viveu oito anos em Boston, entrou ilegalmente na América pelas Bahamas e hoje sonha em retornar, mesmo tendo uma vida confortável e sua situação econômica no Brasil esteja estável.

“Eu voltei pensando que já tinha juntado dinheiro suficiente. Quis voltar porque já estava longe da minha família há oito anos. Mas matei a saudade em um mês e hoje tenho muita vontade de retornar para ganhar mais dinheiro. Estou feliz, mas não completamente”, declarou.
Mas nem todo mundo teve a mesma sorte que João Augusto. Uma pesquisa da Univale aponta que 70% dos emigrantes que abriram um negócio quando retornaram do exterior fecharam as portas com menos de três anos de funcionamento. A razão principal seria a falta de preparo de quem investe.

NA PRÓXIMA EDIÇÃO:

Parte III – Fernandes Tourinho, uma cidade repleta de emigrantes que voltaram para sua terra.


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