Histórico

Julinho Spicacci

Voz e violão

Antonio Tozzi

Foto: Wayne Previdelli

Ele veio sem muita conversa, sem muito explicar. Só sei que que queria cantar e tocar violão. Os versos de Chico Buarque resumem com exatidão o sonho e a vida de Julinho Spicacci, paulista de nascimento e goiano de adoção, que fez da voz e violão o seu jeito de ganhar a vida.

A vocação musical de Julinho despertou bem cedo. Influenciado pelo irmão mais velho (autor de jingles e hoje engenheiro de segurança), acordava entre 4 e 4h30 da manhã para dedilhar o violão. Detalhe: tinha apenas oito anos de idade. A partir daí, o garoto passou a dividir seu tempo entre escola e música.

O caminho natural passou a ser tocar na noite. Assim, aos 15 anos de idade, tornou-se o mais novo artista profissional da noite de Goiânia. “Ganhava na época três milhões de cruzeiros”, lembra Julinho. Moeda que a maioria dos jovens brasileiros nem sabem que existiu um dia.

O menino passou a ser tratado como “irmão caçula” do pessoal. Ele lembra que havia uma turma boa naquela época, como o baixista Bororó, o tecladista Ricardo Leão e João Caetano, compositor, que já teve músicas gravadas por Ivan Lins e outros astros da MPB. O problema dele era evitar que o pai soubesse que se tornara um boêmio. “Quando cheguei com o pagamento, meu pai me fez ir junto com ele até o bar para ver se eu não tinha roubado o dinheiro”, conta. O pai, aliás, nunca foi assistir a uma apresentação ao vivo de Julinho. Para compensar, ele não perdia um show de Julinho nas TVs locais.

De repente, Europa. A vida de músico da noite ia de vento em popa. Tão bem que ele nem mesmo pensou em seguir outra carreira. Na verdade, tentou tornar-se advogado – “sempre quis ser delegado federal ou juiz de direito” -, mas não foi aprovado no vestibular de Direito. Conseguiu entrar no curso de Administração de Empresas, e freqüentou apenas três semanas de aulas. “Aí não dava mesmo. Estava totalmente comprometido com a música”, confessa Julinho.
E foi sua habilidade musical que lhe abriu as portas para Europa.

Recém-casado, recebeu um convite para tocar na banda de um amigo que morava na Bélgica. O jovem casal programou, então, uma viagem de turismo por alguns países europeus antes de integrar-se ao grupo. No roteiro, estavam França, Espanha, Itália e Portugal.

Em Portugal, porém, sua vida tomou outro rumo. Logo arrumou emprego em um bar chamado Gafieira, e resolveu ficar em Lisboa mesmo. “Naquele momento, as músicas brasileiras faziam bastante sucesso em Portugal, por causa das novelas da TV Globo. E eles não tinham músicos brasileiros. Aí fiz o maior sucesso tocando e cantando em português, com sotaque brasileiro. Além do mais, me senti mais seguro ficando por lá, onde já dominava o idioma e não fazia tanto frio”, relembra Julinho.

Sua fase portuguesa durou uns cinco anos, tempo em que se apresentou na maioria dos restaurantes do país. Participou até mesmo de um programa realizado pela Disney de Portugal, onde interpretou a composição de Renato Teixeira “Romaria”, grande sucesso na voz de Elis Regina, e “Fogo e Paixão”, de Wando, música que estourou na parada e adorada pela maioria dos ouvintes. O problema é que Julinho Spicacci nunca identificou-se com o trabalho de Wando. Teve, então, de esconder suas preferências musicais e dar o melhor de si na interpretação do sucesso de Wando. Nesse meio tempo, ele surgiu em um Globo Repórter sobre os brasileiros que viviam em Portugal, em uma reportagem de Pedro Bial.

Chegou, porém, o momento de aventurar-se por outros países. E Julinho pôs o violão nas costas para tocar na Bélgica, na Itália e na Espanha, particularmente em Palma de Mallorca, Ibiza e Tenerife. Ele juntou-se a um grupo de folclore brasileiro, com show de mulatas, samba e coisas do gênero. “Apresentávamo-nos em hotéis para turistas”, diz o violonista, que era também o único que tocava instrumentos de cordas. Insatisfeito com o rumo de sua carreira, Julinho decidiu retornar a Portugal, mas já não encontrou a mesma receptividade de antes.

Volta ao Brasil. Depois de ter ficado cinco anos sem ter voltado ao Brasil, ele e a esposa resolveram regressar a Goiânia. No início, foi bom porque voltou com experiência de músico internacional e todos se lembravam de sua entrevista no Globo Repórter. Aí, a capital de Goiás teve de volta um músico agora mais vivido do que aquele que partira.

Entretanto, a ligação com Portugal continuou presente em sua vida. Além de tocar no circuito noturno de Goiânia, o conhecimento sobre a pátria-mãe abriu-lhe as portas para outra atividade: guia turístico para idosos que queriam visitar Portugal. Se a vida profissional estava envolvente, a pessoal enfrentava percalços. O casamento de dez anos acabou-se, deixando como fruto Amanda, uma menina de 11 anos de idade que é a paixão de Julinho Spicacci. “Ela é a minha maior fã”, conta o orgulhoso papai, que não vê a hora de recebê-la nos Estados Unidos.
Além de tocar na noite, Julinho começou a trabalhar com representação comercial de produtos para a região Centro-Oeste. Dava um duro danado, mas admite que chegou a ganhar um bom dinheiro. Aliás, ele mesmo confessa que seu problema nunca foi exatamente ganhar dinheiro, mas, sim, saber investi-lo com sabedoria.

Nos Estados Unidos. Como já possuía licença de guia turístico, surgiu a oportunidade de viajar com um grupo de adolescentes para os Estados Unidos, em 1999. Ele topou a empreitada, apesar de não dominar o inglês. Mas teve uma carreira meteórica. “Quando desembarquei em Miami, não consegui segurar a barra. Aí liguei para a agência e pedi que enviassem o guia turístico reserva. Estava acostumado com a tranqüilidade dos velhinhos e fiquei maluco com a desobediência dos adolescentes”, relembra.

Para não perder a viagem, ligou para um amigo que vivia em Miami e ficou na casa dele durante 13 dias. A amizade com Romário logo rendeu um convite de trabalho, para atuar na área de reforma e decoração de interiores de aviões. Foi ainda a oportunidade de reencontrar sua vocação musical, pois passou a acompanhar Simone, mulher de Romário e cantora.

A fim de fazer a vida nos Estados Unidos, Julinho já fez de tudo um pouco, como trabalhar em restaurantes e na construção, mas nunca abandonou sua paixão pela música. Agora, divide seu tempo entre vendas e instalação de pisos laminados de madeira e apresentações em casas noturnas do Sul da Flórida, como o Feijão com Arroz, onde toca todos os sábados à noite. “Posso dizer que é uma das experiências mais gratificantes que tenho tido”, garante o músico.

Depois de ter lançado um CD em fevereiro deste ano, com apoio do AcheiUSA Newspaper, Julinho já está com a cabeça voltada para outros projetos: “Estou pensando em gravar um disco com uma coletânea de músicos goianos ou, então, um tributo a Chico Buarque de Hollanda”. Chico é para ele simplesmente o melhor de todos. Julinho possui todos os discos, letras e partituras do compositor carioca. Um sonho? Acompanhar Chico em uma apresentação ao vivo.

A vida sempre nos reserva surpresas. Quem sabe seu sonho não se torne realidade…

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