Histórico

O caldeirão do diabo

Antonio Tozzi

O mundo parece que nunca esteve tão conturbado como agora. Não sei se isto é apenas impressão ou o fato de as notícias serem instantâneas. Afinal, vivemos na verdadeira aldeia global como previa na década de 60 o então profeta da comunicação, Marshall McLuhan.

A verdade é que há uma profusão de notícias que fica cada vez mais difícil selecionar um determinado assunto para enfocar. Entretanto, é inegável que não se pode ignorar a situação vivida atualmente na Síria e no Egito.

No país do norte da África, vive-se uma situação que poderíamos qualificar de o “samba do afrodescendente mentalmente incapacitado”, só para ficarmos na linguagem politicamente correta. Ora, o país eclodiu numa onda de violência que culminou num total de mortos inimagináveis. A mesma praça Tahir, no Cairo, que havia sido o ponto de adesão dos inconformados com os desmandos do então ditador Hosni Mubarak, foi palco de conflitos que produziram combates que praticamente levaram o país a uma guerra civil.

Ora, depois de ficar décadas sob o domínio do ditador Mubarak, convenientemente mantido pelas potências ocidentais, o povo do Egito revoltou-se e foi às ruas nas principais cidades do país pedir mudanças, acompanhando o movimento verificado em outros países do Oriente Médio, que foi batizado como a Primavera Árabe.

Os egípcios foram às ruas e às praças para pedir eleições diretas, direito de escolher seus representantes políticos, enfim, a instauração de um regime democrático. E assim foi feito. Com o apoio da comunidade internacional e a supervisão da ONU (Organização das Nações Unidas), foi realizado o pleito que escolheu Mohamed Morsi como o novo presidente democraticamente eleito.

Entretanto, Morsi era (e ainda é) apoiado pela Irmandade Muçulmana, um grupo que advoga a adoção das leis islâmicas para governar o país, com a instauração da lei da sharia e outros regulamentos observados no Alcorão. Em outras palavras, queriam (e ainda querem) um estado teocrático.

Um ano após a eleição de Morsi, o povo egípcio voltou às ruas para protestar. Desta vez, contra o próprio presidente e seus assessores que estavam mais preocupados em estabelecer princípios islâmicos do que em governar o país, que passa por uma grave crise financeira, com alta taxa de desemprego.

É bom ressaltar que, por causa do turismo impulsionado pelas pirâmides dos tempos dos faraós, os egípcios aprenderam a conviver bem com os ocidentais. Portanto, não os tratam como “infiéis” ou “invasores” ao contrário das sociedades islâmicas mais fechadas. Em razão disto, a sociedade se revoltou e passou a questionar a adoção da lei da sharia que, segundo os descontentes, mergulharia o Egito num mundo de trevas e ignorância que só prejudicaria o próprio país e seu futuro. Aí fizeram uma pressão enorme que culminou na deposição de Morsi, com a ajuda dos militares.

Todavia, como ninguém gosta de perder poder, os partidários do presidente deposto também foram às ruas para protestar contra o que chamaram de golpe de Estado. Analisando-se friamente, foi mesmo um golpe de Estado, dado pelos militares com apoio de segmentos da sociedade que rejeitam a teocracia.

Diante desse impasse, houve conflitos entre as duas partes com mortos e feridos dos dois lados, muito mais por parte dos apoiadores de Morsi uma vez que os militares têm muito mais poder bélico e treinamento para agir.

Agora, as potências ocidentais querem buscar uma saída para a crise mas não sabem como proceder. Se apoiarem os militares, podem ressuscitar o regime de Mubarak que, aliás, deixou a prisão no Cairo nesta quinta-feira (22) -, mas se ficarem omissas podem ser responsabilizadas pelo banho de sangue que já ocorreu e que pode vir a ocorrer no futuro.

E como desgraça pouca é bobagem, a ONU e os países do Ocidente têm outro pepino para descascar: verificar a veracidade das informações divulgadas pelos opositores do regime sírio de que as forças armadas, leais ao ditador da Síria Bashir Al Asad, usaram armas químicas contra eles nas imediações da cidade de Aleppo, grande reduto de resistência contra o governo de Asad.

Caso fique confirmada a denúncia, aumentam as possibilidades de os governos dos EUA, Grã Bretanha e França enviarem tropas para intervir no conflito interno da Síria. Como é sabido, a Rússia e a China apóiam declaradamente o regime de Asad e isto poderia provocar um tipo de retaliação contra as nações que defendem as forças opositoras que lutam contra a ditadura síria. Ou seja, um cenário no mínimo preocupante, se não houver cabeça fria de todos os envolvidos na hora de negociar. Ou se adota a diplomacia e o diálogo ou estaremos no prenúncio da Terceira Guerra Mundial, com consequências imprevisíveis.

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