Histórico

O relativismo das interpretações

Antonio Tozzi

Após o impeachment-relâmpago do ex-presidente Fernando Lugo, em junho do ano passado, os demais integrantes do Mercosul “Brasil, Argentina e Uruguai” decidiram suspender o Paraguai do bloco econômico, sob a acusação de que o país agiu muito rápido na deposição do sátiro ex-presidente paraguaio, curiosamente um ex-bispo católico do país.

Relembrando os tempos da Guerra do Paraguai, quando os três vizinhos se uniram para derrotar o exército comandado por Francisco Solano Lopez e tirar do Paraguai o sonho de se tornar uma potência regional, Brasil, Argentina e Uruguai voltaram a impor ao membro do bloco do Mercosul sanções que pudessem asfixiar o membro “rebelde”.

Ironicamente, a subida ao poder do então vice-presidente Federico Franco nada mais foi do que o cumprimento da Constituição paraguaia. Apesar disto, os outros membros decidiram provocar retaliações contra o Paraguai, ao sugerir a diminuição das parcerias comerciais e outras atividades diplomáticas, numa tentativa de isolar o país e provocar o arrependimento pelo ato de depor o ex-presidente Lugo em tempo recorde.

No entanto, o roteiro foi alterado pela disposição do novo governo e do empresariado local. Segundo dados oficiais, entre julho e novembro de 2012, o Paraguai exportou US$ 626 milhões para Brasil, Argentina e Uruguai, enquanto no mesmo período de 2011 o montante havia sido de US$ 485 milhões, o que representou um aumento de 30%. E as autoridades de exportação paraguaias citaram algumas retaliações indiretas como responsáveis para que o total não fosse ainda superior.

Além disto, o atual governo paraguaio vem dando demonstração de que deseja resolver o impasse com os “brasiguaios” grupo de brasileiros que se instalou no Paraguai e vem sofrendo perseguição, apesar de contribuir para o fortalecimento da economia local, com investimentos sobretudo nos setores da agricultura e da pecuária.

Um país que ainda não é membro, mas que vem gestionando sua entrada no bloco Mercosul, foi o responsável pela retaliação mais ostensiva aos produtos paraguaios. A Venezuela havia importado cerca de US$ 60 milhões entre julho e novembro de 2011 e importou somente US$ 3 milhões em igual período de 2012, demonstrando claramente uma forte ingerência nos assuntos internos do outro país sul-americano.

Por falar em Venezuela, agora é a hora de ver como se comportam os vizinhos e outros países do bloco Mercosul com a aventada alteração da Constituição venezuelana. De acordo com a Carta Magna do país, se o político eleito não puder comparecer à posse na data marcada, assume provisoriamente o presidente da Assembleia Legislativa, o qual deverá comandar uma nova eleição num prazo de 30 dias.

Como se sabe que o estado de saúde de Hugo Chávez, reeleito para novo mandato, é muito grave, o vice-presidente Nicolás Maduro quer subverter a Constituição do país, argumentando que por qualquer motivo inesperado o presidente eleito pode prestar juramento diante do Tribunal Supremo de Justiça, sem especificar lugar ou data. Ou seja, Chávez pode fazer o juramento oficial no dia 10 de janeiro (data da posse) como presidente da Venezuela até mesmo em Cuba, onde continua internado e em tratamento. Seria o verdadeiro samba do crioulo doido o presidente de um país assumir o governo de seu país em território estrangeiro.

A julgar pela judiciosa avaliação dos governantes do Mercosul, é de se esperar que Cristina Fernandez de Kirchner, Jose Mujica e Dilma Rousseff condenem esta manobra dos dirigentes venezuelanos e apliquem retaliações comerciais e diplomáticas à Venezuela, como, por exemplo, suspender os trâmites para o ingresso do país como membro efetivo do Mercosul.

Não se pode usar dois pesos e duas medidas quando se trata de relações internacionais, sob o peso de se estar dando um tratamento ideológico para questões similares. E isto prejudicaria sobremaneira a imagem do Mercosul como bloco no âmbito internacional. Particularmente, o Brasil sairia muito chamuscado num momento em que está tentando tornar-se protagonista no cenário mundial. Afinal, como os outros players poderiam confiar num país que sequer sabe usar o bom senso em assuntos regionais para participar de decisões que envolvem todo o planeta.

Este texto foi originalmente publicado no website Diretodaredação.com

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