Histórico

Ofensas racistas afetam desempenho escolar

Conclusão é de pesquisadoras da Unesco; levantamento no País mostra a grande diferença de notas entre crianças brancas e negras

Apelidos, comentários discriminatórios, ofensas. Esse é o ambiente que crianças negras enfrentam em sala de aula nas escolas brasileiras, de acordo com nova pesquisa feita pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco).

Um dos resultados mais claros disso é a diferença de pontuação entre brancos e negros. Um cruzamento com dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) feito nesse estudo mostra que a média de um aluno branco no 3º ano do ensino médio pode ser até 22,4 pontos mais alta de que um aluno negro (numa escala de 100 a 500 pontos).

O estudo Relações Raciais na Escola: Reproduções de Desigualdades em Nome da Igualdade, feito pelas pesquisadoras Mary Castro e Miriam Abramovay, usou dados do Saeb 2003 para verificar as diferenças de resultado entre crianças e jovens brancos e negros. Ao mesmo tempo, foram entrevistados 500 estudantes e professores de 25 escolas em 5 Estados.

“Do mesmo modo que a violência física, sem dúvida o preconceito tem impacto na aprendizagem. Em uma escola onde as relações são agradáveis, onde há diálogo, fica mais fácil para aprender”, explica Miriam Abramovay. A coleção de apelidos recolhida pelas pesquisadoras vai dos tradicionais “picolé de piche” e “nega fulô” até palavrões que as pesquisadoras se recusaram a reproduzir.

O carioca Glauber Reinaldo, de 20 anos, conhece bem alguns deles: “exu do mangue”, “negrinho”. Todos foram ganhos na escola, onde ainda há quem diga que não há racismo. “É absurdo alguém falar que a sala de aula está livre de preconceito. Os nomes que colocam na gente são muito fortes. Chamar alguém de macaco, que é algo muito comum, não é normal, é discriminação”, desabafa. Aluno do pré-vestibular da ONG Educafro, Reinaldo sempre estudou em escola pública, onde foi alvo de racismo por diversas vezes. O episódio mais marcante ocorreu há pouco mais de dois anos, quando foi injustamente acusado de furto, junto com um colega. Os dois eram os únicos negros na turma de 40 adolescentes. “Ficamos chocados. Todo mundo foi em cima da gente, ficou olhando atravessado”, recorda ele, que pretende ser advogado.

Apesar da humilhação, Reinaldo não pensou em abandonar o estudo. “Fiquei muito triste, mas nunca me passou pela cabeça sair da escola. Senti raiva, vontade de brigar, mas fiquei quieto. Mas se isso acontece com alguém totalmente despreparado, como uma criança, por exemplo, acho que o intuito é fugir, se esconder, querer mudar de escola.”

ISOLAMENTO

Loruama Pinto, de 18 anos, chegou a ter de fazer sozinha um trabalho do ensino fundamental que deveria ser elaborado em dupla porque nenhum dos colegas quis trabalhar com ela, única negra na sala. Já adolescente, não pensou duas vezes quando foi xingada por um colega. “Ele usou termos pejorativos. Decidi reclamar para a diretora.” A atitude resultou em algo que, segundo ela, “acontece 1 vez em 1 milhão”: a direção afirmou que não admitiria mais discriminação na escola.

As situações vividas pelos dois jovens cariocas, dizem as pesquisadores, são corriqueiras no País e podem ser a causa de resultados escolares tão diferentes. A diferenças das médias, mostra a pesquisa, se amplia com o tempo. Na 4ª série, em matemática, a média dos brancos no Saeb é 12 pontos maior, mas se amplia para 22,4 pontos a mais no 3º ano.

A proporção de estudantes negros com pontuação considerada crítica e muito crítica na avaliação também é maior: em matemática na 4ª série são 44,7% dos brancos, mas chega a 56% dos negros. Mesmo quando se leva em consideração a classe social, as diferenças, apesar de menores, se mantêm. Na classe A, 10,3% dos brancos tiveram avaliação crítica e muito crítica no Saeb. Entre os negros, mais que o dobro: 23,4%.

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