Ana Christina DaSilva Iddings*
Meu caminho para os EUA, 20 anos atrás, foi muito menos traumático que o das 52 mil crianças desacompanhadas centro-americanas que chegaram à fronteira sul do país desde outubro do ano passado. Como elas não se qualificam para o asilo, os agentes de imigração as conduzem para centros de detenção – a partir daí começa o processo de deportação.
No meu filho e nesses migrantes desacompanhados enxergo uma geração inteira de crianças que crescerão com a ideia de que os Estados Unidos são um país que discrimina os que não nascem lá.
Nossas atuais políticas imigratórias afetam a todas as crianças – e não apenas aquelas indocumentadas ou que fazem parte de famílias com status imigratórios mistos. Sou portadora de um green card, sou uma estrangeira residente nos EUA que nasceu no Brasil. Vivo aqui há mais de duas décadas. Ainda assim, sou parada em aeroportos ou interpelada por policiais por causa de leis anti-imigrantes, como a SB 1070, do Arizona, que recomenda às autoridas a detenção de imigrantes se houver uma “suspeita razoável” de que eles não estejam legalmente nos EUA.
Da última vez que isso aconteceu, eu me preparava para embarcar num voo no aeroporto de Tucson, a caminho de uma palestra acadêmica, acompanhada do meu filho adolescente. Por ironia, eu ia dar uma palestra sobre como uma reforma imigratória, políticas de deportação e leis como a SB 1070 podem afetar negativamente a educação das nossas crianças imigrantes.
Cheguei tarde ao aeroporto e corria para a fila da segurança quando uma agente da polícia de fronteira (Border Patrol) me perguntou, a mim e às pessoas que estavam comigo, se éramos cidadãos americanos. Depois que eu respondi que eu era residente legal, a agente pediu que eu mostrasse o meu green card, o qual acidentalmente havia deixado em casa. Apesar de eu apresentar a carteira de motorista do Arizona, certidão de nascimento, licença de casamento e passaporte, a agente me deteve por não eu estar portando o green card.
Ela me levou a uma fila com aproximadamente outros 20 passageiros – a maioria de pele morena – que não estavam com os documentos devidos. Ela veio até mim e gritou que eu estava transgredindo a lei por não ter a documentação devida, e que eu sofreria as consequências pelos meus atos.
Pedi à agente para usar as informações na minha carteira de motorista para verificar meu status legal. Ela respondeu que embora pudesse fazer isso rapidamente com uma simples ligação telefônica, ela queria fazer de mim um exemplo. E ficou ali parada, rindo. Só me liberou muitas horas depois; perdi o voo e a palestra.
Minha experiência foi dolorosa, mas poderia ter sido muito pior. Diferente dos 11 milhões de migrantes indocumentados nos Estados Unidos que correm o risco de deportação, não preciso me preocupar com a possibilidade de me ver separada da minha família. Ainda assim, meu filho ficou aterrorizado com o modo pelo qual eu e os outros imigrantes fomos tratados pela agente. Ele perdeu muito do seu respeito pela autoridade instituída, um triste resultado para uma criança que um dia vai se tornar um eleitor neste país.
Apesar do meu filho – como cidadão americano e filho de uma acadêmica – ter uma vida dramaticamente diferente das crianças desacompanhadas que partem para a América, fico preocupada com o fato de que todos são parte de uma geração que vai crescer ressentida com os Estados Unidos e com o tratamento que o país dá aos imigrantes.
Como professora em cidades fronteiriças do sul do Arizona, tenho contato com muitas crianças de famílias de migrantes, a maioria das quais com pais ou responsáveis correndo risco de deportação. Diferente das outras crianças da mesma idade, elas não vão brincar lá fora, com medo de serem descoberta pelos agentes da imigração. Em vez disso, elas se escondem. Se fizerem algum barulho, o Serviço de Imigração pode usá-lo como uma desculpa para investigar a casa onde elas estão; os pais das crianças, avós ou outros parentes, podem ser levados a qualquer momento, sem aviso. Se os pais ou responsáveis forem deportados, as crianças podem sofrer graves traumas emocionais e psicológicos.
Por causa dessas experiências, todas essas crianças estão desenvolvendo uma crença – perpetuada pelas políticas de imigração – de que não são bem-vindas na América, e que o ideário inclusivista sobre o qual este país foi fundado não se aplica a eles.
Já é hora de nós, como nação, melhorarmos o tratamento dado a todos os imigrantes. O mundo todo está vendo como estamos lidamos com o rebanho de crianças centro-americanas que chega à fronteira sul do país. Não podemos esperar que o Congresso promova uma reforma imigratória de fato sem providenciar soluções para o caso delas. Precisamos impedir que a patrulha de fronteira use de força excessiva. Precisamos repelir as leis anti-imigrantes, como a SB 1070, e assegurar para que os que forem detidos sejam tratados com humanidade. As crianças, em especial, precisam receber um tratamento honroso.
*Associate Professor of Language, Literacy, and Culture — Early Childhood at the University of Arizona.