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SAÚDE: Por que a forma de nascer é importante – Parte 2

Por: Adriana Tanese Nogueira

Quando o parto é cesárea, a mãe deitada numa maca estreita tem os braços amarrados, como numa cruz, e o contato com o bebê é ainda mais distante e demorado.

Frédérick Leboyer, médico obstetra, foi um dos primeiros a sacudir a pia convicção de que o nascimento padrão era uma experiência positiva para o bebê. Ele é o autor de: “O bebê sorrindo”, ou na versão original (em francês): Nascer sem violência.

Nas últimas décadas chegou-se à certeza de que o bebê sente! Aliás, sua sensibilidade está à flor da pele, ainda não adquiriu o cascão de insensibilidade que permeia tantos adultos. O psquisismo intra-uterino do feto recebe os inputs do mundo externo e sobretudo daquele interno da mãe. O medo e as angústias dela chegam até ele. Por que haveria de ser diferente?

O que descrevemos é o parto moderno, ou seja “medicalizado”. Parto como doença, como um problema que o médico resolve, como um estorvo que se precisa remediar. Esqueceu-se que o parto é um processo fisiológico, o que significa que o corpo feminino está apto para dar à luz. Nasceu competente e capacitado. Os cursos de preparação para o parto só existem para reelembrar a mulher do que ela já sabe e pode fazer. E nesse sentido são indispensáveis.

O parto é conduzido por uma série de hormônios sensíveis às condições ambientais e emocionais da mulher (são produzidos se ela estiver bem, confiante, sentir-se acolhida e protegida num local seguro). O principal hormônio responsável pelo parto se chama ocitocina. Seu apelido é “hormônio do amor” porque ele está presente em todas as nossas relações prazerosas, como sexo, parto, refeições partilhadas, amamentação. A ocitocina faz as contrações acontecerem e sua produção alcança o pique máximo (que nunca mais será repetido na vida da mulher) logo após o nascimento, quando bebê e mãe deveriam estar em contato íntimo se reconhecendo e vendo pela primeira vez. Não a caso, em partos domiciliares naturais o pós-parto é eufórico. A mulher está pronta, atenta, bem. Levanta, toma banho e faz comida. Este estado pode durar dias. Eu mesma, três dias depois do nascimento de minha filha, queria repetir a dose.

A ocitocina sintética, gotejada na veia da mulher durante o trabalho de parto, acelera as contrações mas não tem as mesmas consequências comportamentais daquela natural. Ela não promove o vínculo. As endorfinas não são liberadas. Com a intensificação artificial das contrações a anestesia se torna uma rotina inevitável, pois o relaxamente entre uma e outra, que no parto natural permite ao útero e às emoções se recuperarem, agora é curto demais. A ocitocina artificial é como uma manada de búfalos carregando para cima da gente.

A anestesia é um recurso muito usado hoje em dia em todos os campos da medicina. A vantagem é que a dor passa. Mas, pela anestesia, perdemos qualquer tipo de controle sobre o nosso corpo e não vamos saber o que acontece conosco. Mesmo a manobra mais desajeitada do profissional mais incompente vai passar despercebida. No parto, a anestesia elimina a mulher como sujeito ativo do parto e reafirma o parto como um evento médico. É o médico que “faz” o parto, não ela. Existem hoje em dia médicos obstetras e anestesistas que conciliam o alívio artificial da dor com o ativismo da mulher, dando combinações analgésicas em doses que permitem andar e fazer força. Mas isso ainda não é comum.

A ausência da participação materna no nascimento é problemática. Experimentos com ovelhas mostraram que quando à mãe dá à luz com uso de anestesia, ela não reconhece seu filhote e o desconsidera. A isso se deve acrescentar que o bebê nasce drogado em total oposição ao sentido do nascimento que é um ato heróico: um novo ser vem ao mundo com esforço e em parceria com sua mãe (trabalho de parto). Este processo, além de limpar suas vias respiratórias (evitando que tubos no nariz e na garganta lhe sejam enfiados logo em seguida), permite-lhe expressar sua dignidade e valor. Ele pode. Ele é.

O começo da vida sempre foi e ainda é um rito de passagem. Qual é o sentido dos ritos modernos do nascimento? Mulheres passivas e assustadas, desenraizadas da centenária sabedoria feminina do dar à luz (e amamentar), nas mãos de médicos assépticos, distantes, educados, sorridentes e frios. Bebês impedidos de entrarem nesse mundo seguindo seu tempos e rítmos (cesáreas eletivas sem trabalho de parto, indução de parto), e manipulados como objetos, delicados mas sempre objetos. Mulheres e bebês começam respectivamente a maternidade e a vida pela amputação de sua força e coragem. São impedidos de afirmarem-se como subjeitos autônomos, individuais, únicos e competentes. O que se encaixa perfeitamente numa perspectiva de vida de seguidores e não de autores. Não sóis que ilmuninam seus próprios caminhos e contribuem para o aclaramento do que está à sua volta, mas pequenas luas que refletem a luz de fora.

Adriana Tanese Nogueira é filósofia, psicoterapeuta, escritora e idealizadora da ONG Amigas do Parto (www.amigasdoparto.org.br).

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