Histórico

Voto nulo é um voto para a oposição

Jorge M. Nunes

A recente queda da presidente Dilma Rousseff nas pesquisas de intenção de voto para as eleições de novembro deste ano no Brasil, além de trazer a possibilidade de uma saudável alternância ideológica no poder, fez reviver o debate sobre a validade de um importante direito democrático: o voto.

Pois justamente esse direito, que possibilita a interferência direta do cidadão na escolha do seu governo e portanto das prioridades do país, está sendo desprezado pelo movimento de alguns a favor da votação nula ou em branco, cujo argumento ora é de que as urnas eletrônicas no Brasil são manipuladadas pelo sistema e de nada adianta votar, ora de que não há opção política viável entre os candidatos, com todos reduzidos à vala comum da incompetência e da corrupção, pouco importando a bandeira ideológica que adotam ou o pacote de promessas que carregam.

Deixemos de lado a teoria estapafúrdia de que as urnas são fraudadas e vamos aos fatos.

Os votos em branco e nulos no Brasil, se somados ao número de abstenções, há muito tempo competem lado a lado com os válidos, e em várias eleições até mesmo os superaram. Na votação de 1998, por exemplo, houve 38.3 milhões de votos anulados, entre brancos, nulos e abstenções, contra os 35.9 milhões que reelegeram Fernando Henrique Cardoso presidente naquele ano. Na eleição de 2010, entretanto, Dilma ganhou com 47.6 milhões de votos, enquanto os nulos, brancos e abstenções somaram apenas 34.1 milhões. Em ambos os casos, o número de votos seria mais que suficiente para mudar o resultado das eleições. Mas quem não votou? E por que outros votaram em branco ou anularam seu voto?

A diferença entre os números de FHC e Dilma podem dar a resposta para essas perguntas. Se FHC foi eleito com menos votos que os inválidos e Dilma foi eleita com mais é porque a motivação popular para participar do processo democrático nas eleições de 2010 foi bem maior do que em 1998, e uma boa parte do eleitorado resolveu retribuir com seu voto o benefício que julgou ter recebido do governo. Esse eleitorado é majoritariamente de uma classe que se mantinha à parte do processo eleitoral, justamente por nunca ter percebido qualquer mudança na sua condição sócio-econômica com o troca-troca periódico dos governos. Mas, durante os dois mandatos de Lula e agora Dilma, ela percebeu que sua participação representaria uma garantia da manutenção dos benefícios conquistados, e retribuiu esses benefícios em forma de voto. Óbvio.

A classe média, por outro lado, até hoje não viu seu voto fazer diferença alguma, qualquer que tenha sido o governo que ela ajudou a eleger. Seus problemas se repetiram por décadas a fio, e ela já não confia tanto no processo democrático como transformador da sua condição. Ainda por cima, a transferência recente de recursos para a população mais carente, mesmo que justa e necessária, usou como fonte o dinheiro dos contribuintes históricos da classe média, e sem que eles recebessem em troca nenhum benefício que deveria vir em contrapartida. Pior que isso, ainda viram a maior parte do fluxo dessa fonte desaparecer dentro de um labirinto bizantino de corrupção oficial e descaminhos antes de desembocar em qualquer coisa. Para quê votar, então? Melhor abster-se desse processo todo para não ser cúmplice de um sistema irremediavelmente viciado. E cada um por si.

Mas, esse tipo de atitude é na verdade o que mais favorece à manutenção do estado de coisas. Ao abster-se voluntariamente do processo democrático, o cidadão acaba aprovando por omissão tudo que ele quer combater, e perde o direito de exigir qualquer coisa do seu governo ou de questionar a forma como o dinheiro dos impostos é aplicado. O voto é um instrumento transformador tão importante que só foi através dele, depois de quase dois séculos de história independente, que o Brasil finalmente cuidou um pouco da sua população mais miserável. É verdade que a classe média não possui obrigação de retribuir coisa alguma a governo ou partido algum, mas a sua omissão só vai fazer com que ela fique ainda mais esquecida e relegada à própria sorte, já que não terá nem mesmo o voto para negociar e ainda continuará sendo sangrada pelos impostos de sempre.

Nossa classe média, hoje tão indignada, só poderá ser valorizada quando demonstrar a força que tem dentro do processo democrático, e isso se dá através do voto, da livre expressão de suas necessidades e da conscientização de que ela faz parte de um sistema complexo, no qual é preciso negociar da forma mais democrática possível para conseguir benefícios. Uma vez curadas as mais graves feridas sociais no Brasil, como pobreza, fome e miséria, vai chegar a hora da classe média começar a receber as devidas recompensas pelo sacrifício que vem fazendo há tantas décadas. Mas ela só vai obter sucesso nas suas exigências se usar ao máximo todos os recursos de que a democracia dispõe, dentre os quais o mais importante de todos é o voto.

Voto nulo é um voto para a oposição, seja ela qual for.

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